Esquema da árvore filogenética ('genealógica') do estudo: no alto, à dir., o Homo erectus; à esq., o Homo ergaster; e, embaixo, o Paranthropus boisei (Foto: Divulgação)
A expressão é um tanto complicada, mas vale a pena anotá-la: morfometria geométrica. Esse é o nome do método matemático empregado por quatro bioantropólogos argentinos e um brasileiro para traçar uma nova ordem genealógica dos hominídeos, o grupo de grandes macacos que inclui o homem moderno e todos os seus ancestrais diretos. Trata-se de uma abordagem inovadora que pode, no futuro, resolver algumas das dúvidas cabeludas que ainda pairam sobre a origem de nossa linhagem.
O trabalho, capitaneado por Rolando González-José, do Centro Nacional Patagônico, e Walter Neves, do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP, sairá na revista científica britânica "Nature", uma das mais prestigiosas do mundo. González-José e Neves, assim como o também argentino Héctor Puciarelli (co-autor da atual pesquisa), já haviam trabalhado juntos em estudos sobre os crânios dos mais antigos habitantes da América.
Os primeiros americanos, porém, são todos membros plenos da nossa espécie, Homo sapiens. A equipe agora está aplicando algumas das mesmas técnicas à investigação das características cranianas de boa parte dos ancestrais do homem, desde o Australopithecus afarensis, que viveu lá se vão mais de 3 milhões de anos.
No artigo da "Nature", a equipe aponta um problema significativo nos estudos anatômicos sobre os nossos ancestrais: a falta de visão de conjunto. É que as árvores genealógicas evolutivas normalmente envolvem a análise de um sem-número de características separadas, que podem ou não estar presentes em cada uma das espécies analisadas. São coisas como presença ou ausência do terceiro molar, esmalte fino versus esmalte espesso nos dentes, e por aí vai. É assim, meio na base do tudo ou nada para cada característica, que funciona o método cladístico, o mais empregado para esse tipo de trabalho.
Só tem um problema: muitas características importantes para determinar o parentesco entre espécies -- principalmente as muito próximas das outras, como é o caso dos hominídeos -- não funcionam desse jeito. Na verdade, elas variam de forma contínua: uma espécie tem os ossos da face um pouco mais projetados para a frente do que outra, por exemplo, mas todas têm os mesmíssimos ossos. Como a morfometria geométrica é uma forma matemática de medir justamente esse tipo de variação contínua, a equipe achou que estava na hora de uni-la à cladística.
"A união dos métodos foi algo totalmente esperado, saudável e necessário", declarou González-José ao G1. "Creio que muitas análises futuras deverão fortalecer esse tipo de ponte entre as metodologias." Assim, em vez de analisar traços separados, os pesquisadores se concentraram em quatro "módulos" ou conjuntos gerais de características do crânio: flexão da base craniana, retração facial (o quanto a parte da frente do crânio se projetava para a frente), globularidade neurocranial (grosso modo, o quão arredondada era a cabeça dos hominídeos) e forma do aparato de mastigação.
O trabalho, capitaneado por Rolando González-José, do Centro Nacional Patagônico, e Walter Neves, do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP, sairá na revista científica britânica "Nature", uma das mais prestigiosas do mundo. González-José e Neves, assim como o também argentino Héctor Puciarelli (co-autor da atual pesquisa), já haviam trabalhado juntos em estudos sobre os crânios dos mais antigos habitantes da América.
Os primeiros americanos, porém, são todos membros plenos da nossa espécie, Homo sapiens. A equipe agora está aplicando algumas das mesmas técnicas à investigação das características cranianas de boa parte dos ancestrais do homem, desde o Australopithecus afarensis, que viveu lá se vão mais de 3 milhões de anos.
No artigo da "Nature", a equipe aponta um problema significativo nos estudos anatômicos sobre os nossos ancestrais: a falta de visão de conjunto. É que as árvores genealógicas evolutivas normalmente envolvem a análise de um sem-número de características separadas, que podem ou não estar presentes em cada uma das espécies analisadas. São coisas como presença ou ausência do terceiro molar, esmalte fino versus esmalte espesso nos dentes, e por aí vai. É assim, meio na base do tudo ou nada para cada característica, que funciona o método cladístico, o mais empregado para esse tipo de trabalho.
Só tem um problema: muitas características importantes para determinar o parentesco entre espécies -- principalmente as muito próximas das outras, como é o caso dos hominídeos -- não funcionam desse jeito. Na verdade, elas variam de forma contínua: uma espécie tem os ossos da face um pouco mais projetados para a frente do que outra, por exemplo, mas todas têm os mesmíssimos ossos. Como a morfometria geométrica é uma forma matemática de medir justamente esse tipo de variação contínua, a equipe achou que estava na hora de uni-la à cladística.
"A união dos métodos foi algo totalmente esperado, saudável e necessário", declarou González-José ao G1. "Creio que muitas análises futuras deverão fortalecer esse tipo de ponte entre as metodologias." Assim, em vez de analisar traços separados, os pesquisadores se concentraram em quatro "módulos" ou conjuntos gerais de características do crânio: flexão da base craniana, retração facial (o quanto a parte da frente do crânio se projetava para a frente), globularidade neurocranial (grosso modo, o quão arredondada era a cabeça dos hominídeos) e forma do aparato de mastigação.
Metodologia à parte, os resultados preliminares obtidos pela análise são, em si, um bocado interessantes. De um lado, ela confirma o que a maioria dos antropólogos diz há tempos: os neandertais são uma espécie totalmente separada da nossa. O interessante é o quão distantes eles podem ser.
Em uma das submetodologias empregas por Neves, González-José e companhia, a linhagem que vai dar origem ao Homo sapiens se diferencia muito cedo dos demais hominídeos, incluindo criaturas que costumam ser consideradas nossas ancestrais diretas, como o Homo erectus. Em outra, estamos mais próximos dos neandertais, mas ainda assim separados. "A primeira posição [mais distante] certamente é algo controversa, mas é a mais fiel à natureza da variação no crânio", afirma González-José.
A nova árvore genealógica também salva a pele do Homo habilis, que para alguns autores não mereceria ser incluído no nosso gênero por ser primitivo demais -- de acordo com esses pesquisadores, o hominídeo deveria estar entre os australopitecos. Não é o que a nova pesquisa aponta. E ela também sugere que, entre os próprios australopitecos e assemelhados, está havendo uma certa confusão.
É que essas criaturas normalmente são divididas em dois grupos: robustos (com mandíbula pesada, adaptada aparentemente a comer vegetais duros) e gráceis (provavelmente comedores de alimentos menos abrasivos e um pouco de carne). A análise da equipe diz, pelo contrário, que os dois grupos não refletem o parentesco entre as espécies: alguns gráceis estariam mais próximos dos robustos do que dos outros gráceis, e vice-versa.
Agora, resta saber como ajustes na técnica trarão novas formas de enxergar a relação entre os diversos ancestrais humanos. "Estamos trabalhando nisso", diz González-José.
Em uma das submetodologias empregas por Neves, González-José e companhia, a linhagem que vai dar origem ao Homo sapiens se diferencia muito cedo dos demais hominídeos, incluindo criaturas que costumam ser consideradas nossas ancestrais diretas, como o Homo erectus. Em outra, estamos mais próximos dos neandertais, mas ainda assim separados. "A primeira posição [mais distante] certamente é algo controversa, mas é a mais fiel à natureza da variação no crânio", afirma González-José.
A nova árvore genealógica também salva a pele do Homo habilis, que para alguns autores não mereceria ser incluído no nosso gênero por ser primitivo demais -- de acordo com esses pesquisadores, o hominídeo deveria estar entre os australopitecos. Não é o que a nova pesquisa aponta. E ela também sugere que, entre os próprios australopitecos e assemelhados, está havendo uma certa confusão.
É que essas criaturas normalmente são divididas em dois grupos: robustos (com mandíbula pesada, adaptada aparentemente a comer vegetais duros) e gráceis (provavelmente comedores de alimentos menos abrasivos e um pouco de carne). A análise da equipe diz, pelo contrário, que os dois grupos não refletem o parentesco entre as espécies: alguns gráceis estariam mais próximos dos robustos do que dos outros gráceis, e vice-versa.
Agora, resta saber como ajustes na técnica trarão novas formas de enxergar a relação entre os diversos ancestrais humanos. "Estamos trabalhando nisso", diz González-José.
Reinaldo José Lopes
Do G1, em São Paulo
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