Ernesto Gattai, pai de Zélia Gattai, veio para o Brasil aos 4 anos. Sua família foi uma das fundadoras da Colônia Cecília.
VITA MIA
NETA DA COLÔNIA CECÍLIA - Zélia Gattai
Sou brasileira, filha de italianos. Do lado materno, os Da Col, vênetos de Perarolo. Do lado paterno, os Gattai, toscanos de Florença. Duas famílias que, no início do século, embarcaram na aventura de partir para um mundo distante e desconhecido. O Brasil, país jovem, imenso, rico, recém libertado da escravidão, necessitava de novos braços para trabalhar, abria portas a quem tivesse condições.
Vovô Eugênio, pai de minha mãe, ao ouvir um dia o genro contar aos filhos a história da família, comentou: "A história dos Gattai e a nossa são muito parecidas mas completamente diferentes". Todo mundo achou graça, todo mundo riu da afirmação de nonno Genio. No entanto, a afirmação não era totalmente descabida, tinha fundamento. Havia na época dois tipos de imigração: a imigração política, e a imigração econômica. A dos Da Col teve origem econômica, a dos Gattai, política.
Eugênio Da Col, mulher e cinco filhos (entre os quais minha mãe, Angelina) embarcaram em Gênova em 1890 no navio Città di Roma, ele fora contratado para trabalhar como colono numa fazenda de café, em Cândido Mota, São Paulo. Levas e levas de conterrâneos já haviam partido e os comentários sobre " la terra del sole", "la terra della cuccagna", onde o ouro rolava pelas ruas e o enriquecimento era rápido, decidiam os que ainda vacilavam.
Agentes encarregados de contratar operários italianos acenavam com a facilidade de viagem gratuita e subsistência garantida até que começassem a trabalhar. Não havia mais o que pensar, a decisão estava tomada, os Da Col iriam viver no Brasil. No porão do navio acotovelavam-se famílias; lá estavam alguns amigos vênetos e compatriotas vindos de toda a Itália.Na travessia sem fim, de desconforto total, católica fervorosa, nonna Pina rezara a viagem toda, pedindo a Deus que os protegesse para que chegassem vivos à terra. Tinha verdadeiro pavor só de pensar que um dos seus pudesse morrer em alto-mar e fosse atirado aos peixes. Ao contar sua história, nonno Genio ainda gardecia ao céu: "Deus ouviu as preces de Pina, chegamos todos vivos".
No porto de Santos, homens de fazenda onde iriam trabalhar os aguardavam e os transportaram, comprimidos como gado, num vagão de carga. Não foi preciso muito tempo para que, marido e mulher, se dessem conta de que haviam sido enganados. O sonho não passara de fantasia, as informações recebidas não correspondiam à realidade: sob a vigilância de um odioso capataz passaram a trabalhar de sol a sol, marido, mulher e as três crianças mais velhas, ganhando a apenas o suficiente para não morrerem de fome. Eugênio Da Col via cada vez mais claro: a escravidão fora abolida no Brasil havia poucos anos, mas nas fazendas de café outros escravos chegavam. Italianos substituiam os africanos.
Um dia, os colonos foram convocados para se reunir, à hora do almoço- hora do almoço para não perderem tempo de trabalho -, junto a uma árvore. Ao Chegarem ao local marcado para o encontro, depararam com um quadro deprimente: ali, amarrado à arvore, estava um trabalhador negro. Eugênio Da Col não entendeu o que estava acontecendo até ver o capataz se aproximar de chicote em punho. Seria possível uma coisa daquelas? Haviam sido convocados para assistir ao espancamento do homem? Não houve explicações, não havia necessidade: os novatos deviam aprender como se comportar-deviam andar na linha se não quisessem que acontecesse o mesmo com eles. Quem não obedecesse servilmente ao chefe receberia a mesma surra que o negro ia receber. Exemplo para não ser esquecido.
Todo mundo calado, fitando o capataz. De súbito ele levantou o braço, fez estalar no ar o couro do chicote, ia comecar o castigo, mas o látego não chegou a baixar sobre as costas do infeliz . Revolado, cego de indignação, o jovem colono Eugênio Da Col não se contivera. Não seria ele quem assistiria impassível ao ato de tal covardia. Diante do espanto de todos, atirou-se sobre o carrasco, arrebatando-lhe o chicote da mão. Apanhado de surpresa, o capataz acovardou-se: a arma que lhe garantia a valentia estava em poder do carcamano, tratou de fugir.Nessa mesma tarde a família Da Col, foi despedida, posta na estrada. Não pagaram o que lhe deviam. Os senhores cobravam o custo do transporte de Santos até a fazenda.
Com grande coragem e fé em Deus, seguiram pela estrada deserta levando o que podiam carregar, tinham endereços de conterrâneos amigos na capital, haveriam de chegar lá. Nessa longa caminhada de privações e fome,Carolina, a mais nova das crianças adoeceu. Ainda uma vez nonna Pina recorreu a Deus, que não deixasse seu anjinho morrer durante a caminhada. Nunca se conformaria em deixar a menina numa cova rasa, à beira da estrada. Ainda uma vez Deus ouviu suas preces: Carolina morreu só depois de chegarem à cidade de São Paulo.
Essa história eu ouvi dos lábios de meu avô Eugênio. Durante minha infância o fiz repeti-la algumas vezes e sempre, ao terminá-la, ele enxugava os olhos num lenço grande e em seguida assoava o nariz, creio que para disfarçar, para esconder as lágrimas.
Recordo meu pai, Ernesto Gattai, um grande contador de histórias. Nas noites de inverno, em São Paulo, os filhos se reuniam em torno dele, ouvidos atentos para escutá-lo. As histórias que papai nos contava não eram as clássicas histórias de Cinderela, da Branca de Neve ou Chapeuzinho Vermelho, que eu sabia de cor e salteadas. Ele nos contava histórias diferentes, italianas, certamente ouvidas em criança, de sua mãe. Assim como vovô Eugênio, contava seus casos em dialeto vêneto, papai contava suas histórias em italiano. Matava dois coelhos com um tiro só: divertia as crianças e ao mesmo tempo as fazia ouvir e aprender sua língua natal.Das Histórias de papai, a minha preferida, sem dúvida, era a da Colônia Cecília. História verdadeira, entre os seus protagonistas estavam meus avós, meus tios e ele próprio, meu pai. Segundo "seu Ernesto", o pai dele, Francesco Analdo Gattai era um homem de pensamento largo, um livre pensador: Papai se ria ao contar a história do registro de sua irmã mais nova, Iena.
Quando do nascimento da última filha, nonno Gattai foi ao cartório de onde viviam, lá em Floreça, a fim de registrá-la:
- Que nome quer dar à sua filha?
- Iena! - declarou o pai da criança.
- Iena! - declarou o pai da criança.
O homem pensou não ter compreendido bem, repetiu a pergunta:
- Qual é o nome?
- Iena - repetiu o rebelde, entusiasmado com a reação do tipo; a polêmica provocada estava garantida.
- Iena - repetiu o rebelde, entusiasmado com a reação do tipo; a polêmica provocada estava garantida.
O escrivão ainda tentou dissuadi-lo, não se conformando com tão estapafúrdia decisão:
-Mas, meu senhor, como pode dar a uma criança inocente o nome de um animal tão repugnante?
-Se o Papa pode ser Leão, por que minha filha não pode ser Iena? revidou o velho Gattai, que na época pouco mais tinha que trinta anos de idade.
-Se o Papa pode ser Leão, por que minha filha não pode ser Iena? revidou o velho Gattai, que na época pouco mais tinha que trinta anos de idade.
A menina foi registrada com o nome de Iena e Iena ficou até morrer.
Francesco Arnaldo Gattai embarcou com a família, mulher e cinco filhos em Gênova, no navio Città di Roma, em 1890. A viagem da família Gattai, no entanto, começava dois anos antes. Meu avô tivera a oportunidade de ler um livreto intitulado Il Comune in riva al mare, escrito por um certo Dr. Giovanni Rossi-que o assinava com o psudônimo de Cárdias-misto de cientista, botânico e músico.
No folheto, que tanto interessara a meu avô, Cárdias idealizava a fundação de uma "Colônia Socialista Experimental" num país da América Latina - não especficava qual - uma sociedade sem leis, sem religião, sem propriedade privada, onde a família fosse constituída de forma mais humana, asegurando às mulheres os mesmo direitos civis e politicos que aos homens.Nas últimas páginas de seu estudo e projeto, Cárdias fazia um apelo: que se apresentassem as pessoas que estivessemos de acordo com suas teorias e quisessem acompanhá-lo a qualquer parte da Terra, por mais distante que fosse, desde que se dispusessem a levar à pratica todas as experiências e as idéias contidas no livro.
Francesco Arnaldo Gattai encontrava, por fim, alguém com dinamismo e inteligência, disposto a tornar realidade um sonho, seu e de outros camaradas, também díscipulos dos ensinamentos de Bakunin e Kropotkin, à procura de um "caminho novo para a humanidade faminta, esfarrapada, ensangüentada, talvez esquecida por Deus" Leu o documento para a mulher: Que pensava ela desse plano? Deviam aceitar o convite do Dr. Giovanni Rossi? Tinham quatro filhos, um ainda a sugar o peito da mãe.
Argia Fagnoni Gattai, minha avó, não era mulher de recuar diante de obstáculos. Aos trinta anos de idade, carregada de filhos, não teve medo de enfrentar o desconhecido. Amava o marido, sabia o que representava para ele aquela viagem. Não iria desapontá-lo. Costumava amamentar os filhos até os dois anos de idade - esse era o intervalo matemático entre um filho e outro - criando-os fortes e sadios. Jamais lhe faltara leite; pelo pequeno Aurélio não devia temer, ela lhe garantiria a alimentação, ao menos durante a travessia. O acordo da mulher estava dado, agora era só aguardar com paciência o grande momento da partida. Esperaria que Giovanni Rossi superasse os problemas, tantos, para um empreendimento de tal monta.
Com palavras simples e acessíveis, papai nos contou a história do Dr. Giovanni Rossi, o homem que idealizara todo o plano da colônia experimental em terras distantes. Nascera em Pisa, poeta com incontestável vocação musical, porém homem inquieto, preferindo trilhar outros caminhos, formara-se em agronomia, dedicando-se ao jornalismo e aos problemas sociais e filosóficos.Em suas idas freqüentes a Milão, costumava hospedar-se com um parente, o maestro Rossi, cuja casa era freqüentada por músicos de renome, entre os quais um certo Carlos Gomes,brasileiro, autor de óperas. Encontraram-se os dois Giovanni Rossi e Carlos Gomes na ocasião em que o músico se entrengava à partitura de uma òpera, Lo Schiavo, que pretendia tocar para o Imperador do Brasil, cuja chegada a Milão estava sendo aguardada.
Carlos Gomes falou a Giovanni Rossi de sua terra, do outro lado do mar, cheia de belezas naturais e de riquezas sem fim. O músico falava de seu país com emoção e saudade, e Cárdias, que o ouvia fascinado, pôs de lado seu projeto, ainda embrionário, de tentar a experiência no Uruguai. Não havia dúvidas, o país era o Brasil.Entusiasmou-se ainda mais ao saber da próxima chegada de D. Pedro II a Milano. Protegido do imperador, Carlos Gomes o conhecia bem e o admirava muito. Fazia-lhe os maiores elogios: "Um rei sábio, inteligente e culto, amigo dos inventores, dos músicos e dos poetas..."
Giovanni Rossi não tinha, nem nunca tivera admiração por imperadores, mas se aquele resolvesse se interessar por seu projeto, não custava nada escrever uma carta ao imperador do Brasil expondo seu plano, juntando à carta o folheto com todos os detalhes do seu projeto.Acompanhado de Carlos Gomes, Cárdias foi até o hotel onde D. Pedro II se hospedara. O imperador encontrava-se adoentado, não recebia ninguém. A carta e o folheto foram, pois, entregues a seu médico particular, o Conde da Mota.D. Pedro II, só veio a tomar conhecimento da existência de Cárdias já no Brasil, interessou-se pelas idéias e pelo arrojo do autor. Impressionado com as últimas páginas do projeto, convocando voluntários para a experiência e dando seu nome completo e endereço, o imperador não teve dúvidas, mandou que respondessem à sua carta: felicitava-o por seu trabalho e oferecia-lhe a terra solicitada para a colônia imperial.
Depois de várias démarches, Cárdias recebeu de D.Pedro II a posse de 300 alqueires de terras, incultas e desertas, localizadas entre Palmeira e Santa Bárbara, na então província do Paraná, e ainda a promessa de ajuda e apoio para o empreendimento.
Após tudo acertado, a doção feita, Cárdias iniciou o recrutamento dos voluntários através de notícias nos jornais e em reuniões públicas. Os candidatos foram surgindo e seu número aumentou rapidamente. Entre os primeiros a se apresentar estava Francesco Arnaldo Gattai, meu avô, que entrara em contato havia muito com Cárdias. O quinto filho do casal nascera recentemente, a menina Iena.
Na qualidade de imigrantes políticos, o grupo de idealistas embarcou para o Brasil, em Gênova, no navio Città di Roma, em fevereiro de 1890. O regime imperial no Brasil havia sido derrubado a 15 de novembro de 1889. D. Pedro fora deposto e desterrado, A República proclamada.Os fundadores da Colônia Experimental não podiam mais contar com a ajuda e o apoio prometido pelo imperador. Contariam apenas com seus próprios esforços, com a vontade de vencer, nada os faria recuar.No porão do Città di Roma, junto às caldeiras, viram-se amontoados os pioneiros que, em breve, estariam integrado uma comunidade de princípios puros: a Colônia Cecília. Iam cheios de esperanças, suportariam corajosamente as condições infames da viagem.Uma luz artificial, fraca, era tudo o que havia para iluminar o porão, nem a mais leve brisa do mar chegava até ali para atenuar o calor sufocante. O navio jogava demais e a maioria dos passageiros enjoava. Argia Gattai estava entre os que padeciam. Não conseguia se alimentar, vomitava o que já não tinha no estômago. Seus peitos fartos e cheios de leite, desapareciama cada dia, iam diminuindo, murchando. Grudada neles, Iena sugava - ora um, ora outro - o leite que deixara de existir. Só desistia para reclamar, chorando desesperadamente. Um médico do grupo aproximou-se da menina e, sem examiná-la, diagnosticou: "fome". E se conseguissem um pouco de leite, lá em cima? O médico desaconselhou: o leite de bordo não era bom, nas condições de fraqueza em que a criança se encontrava, poderia provocar-lhe diarréia. A única coisa a fazer seria conseguir, com o comandante do navio, autorização para que mãe e filha pudessem passar o dia no tombadilho, a fim de melhorar as condições de saúde da mãe. Talvez o leite voltasse.
Estirada numa espreguiçadeira, na popa do navio, a criança grudada no peito - perninhas e braços finos, olheiras fundas -, a mãe via o tempo passar, vagaroso .Haviam quantos dias que viajavam? Perdera a conta. Quando chegariam? Ainda bem que os outros filhos continuavam com saúde. Guerrando, o mais velho, dez anos,cuidava dos irmãos menores, o pai ocupado com a mulher e a filha doente.
Tio Guerrando jamais esquecera os tormentos da terrível travessia. Quando era ele a narrar a odisséia dos pais, o fazia com tanto sentimento que, sem me dar conta, comparava aquele porão quente e escuro ao Inferno de Dante, que eu conhecera folheando a Divina Commedia, vendo labaredas e demônios nas ilustrações de Doré, volume de luxo que minha mãe guardava a "sete chaves" para evitar que as crianças a destruíssem.
No porto de Santos formou-se a maior confusão na hora do desembarque. Homens para um lado, mulheres para o outro. Os imigrantes foram despidos, as roupas do corpo e as que traziam nas trouxas levadas para a rotineira desinfecção. Ali permaneciam horas a fio, nus à espera de que lhe devolvessem os pertences, que os liberassem.
Por fim as roupas foram devolvidas, devidamente carimbadas pelo posto. Apertados dentro dos vestimentos encolhidos devido ao banho de desinfecção, cheirando a remédio, amarfanhados, os imigrantes, conduzidos em fila, passaram pelo departamento médico, numa última vistoria antes de serem liberados. Dali mesmo, foram embarcados num pequeno navio que os conduziria até o Paraná. Tio Guerrando não estava muito certo do novo porto de desembarque, mas achava que era o de Paranaguá.Os pioneiros partiram rumo às terras que os esperavam, a família Gattai permaneceu na cidade, às voltas com a menina doente. Lá ficaram eles, naquele porto estranho, língua desconhecida, buscando por todos os meios salvara a vida da filha. Não conseguiram salvá-la.
Num carroção puxado a dois, carregando trouxas e outros pertences, passou a família Gattai por Santa Bárbara: marido mulher e quatro filhos. Ao verem passar a carroça, algumas crianças gritaram chamando pelas mães: Venham ver os ciganos!. . ."
Outras caravanas de homens com o mesmo aspecto, nas mesmas condições, já haviam passado por lá. Ciganos, pensaram os moradores do pequeno vilarejo, trancando portas e janelas das modestas casas cobertas com folhas de zinco, no medo de serem roubados.No cimo de uma colina, por entre os pinheirais, divisava-se, hasteada ao alto de uma palmeira, enorme bandeira vermelha e preta. A bandeira da Colônia Cecília, saudando a chegada dos companheiros. Ao divisar a bandeira da Colônia, nonno Gattai olhou mais baixo e exclamou: "Lá estão eles!" Ali estava o acampamento : grande barracão erguido junto a um córrego, pequenas barracas em construção, homens movimentando-se para cima e para baixo, um pedaço de terra já limpa para o cultivo ao lado de um pequeno bosque. Nonna Argia voltou a cabeça em direção ao dedo estirado do marido, seu pensamento lá longe, enterrado junto ao corpinho da filha. Durante toda a viagem não dera uma única palavra, nem para amaldiçoar nem para acusar. Disfarçando a tristeza pela morte da filha, o marido procurava distrair a mulher chamando-lhe a atenção para mil e uma coisas, durante a longa e dura viagem pela estrada. As quatro crianças, livres da incomôda carroça, correram em disparada para o regato de águas cristalinas. Ninguém as impediu de se banharem de roupa e tudo. "Precisam de ar puro, de água e, sobretudo, de liberdade!", sentenciou o pai.
Os Gattai foram alojados provisoriamente no barracão coletivo construído pela primeira leva. Nos dias que se seguiram, cada família tratou de construir sua própria morada. Papai nos contara que a tentativa de Giovanni Rossi durou quatro anos (1890 a 1894). A família Gattai permaneceu lá apenas dois anos, não se adaptou e, em 1892, pais e filhos partiram para São Paulo. Curiosa, eu crivava papai de perguntas, mas para ele era difícil explicar detalhes de fatos que ignorava. Tio Guerrando, seu irmão mais velho, que vivera esses episódios e ainda se lembrava de muita coisa, também pouco sabia dos motivos verdadeiros que levaram a experiência ao fracasso.
Havia explicações desencontradas. De positivo mesmo, ele sabia que muita gente desistira ao surgirem as primeiras dificuldades. Novos aderentes chegavam da Itália, muitos deles movidos pelo espírito de aventura, mas não permaneciam, partiam logo. Os mais teimosos tiveram que arranjar emprego fora das terras, foram trabalhar, sobretudo nas construções de estradas de ferro, para não morrer de fome. Mas tudo culminou com a intimação das autoridades republicanas, que não estando de acordo com a doação feita pelo deposto imperador, exigiam dos colonos que, ou comprassem as terras que ocupavam e pagassem os impostos atrasados, ou as abandonassem.
As facilidades que a monarquia oferecera aos anarquistas pioneiros da Colônia Cecília foram suprimidas pelos republicanos, liquidando assim o futuro de uma experiência única. Havia ainda a versão anticlerical de tio Guerrando: ele contava que, bem próximo à Colônia, fora construída uma igreja católica com o objetivo exclusivo de hostilizar e boicotar os anarquistas e que, na época da colheita, o padre vizinho soltou suas vacas que rapidamente, invadiram as plantações, destruindo tudo, liquidando assim a última esperança dos remanescentes da Colônia Cecília."E foi assim qua a família Gattai chegou ao Brasil", nos disse um dia papai, depois de mais uma vez contar a históriada família. "Pensem bem, vocês sabiam que, para estarem aqui hoje, foi preciso a intervenção do filósofo Giovanni Rossi, do maestro Carlos Gomes e de D. Pedro II, Imperador do Brasil?" Ele rira de ver nossas caras assombradas. "E digo mais", prossegiu, "ainda por cima, vocês nasceram de duas famílias parecidas mas completamente diferentes".
Texto de Zelia Gattai extraído do site Ecco´s e postado no blog Coisas do Cotidiano.
2 comentários:
Leila
Esse texto é da Zelia Gattai extraído do site Ecco´s.
Postado no blog Coisas do Cotidiano.
Obrigada pela informação, já acertado.
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