Era uma espetacular tarde de maio no sul da Itália, mas as ruas de Laviano, uma aldeia nas montanhas da Campania, estavam desertas. A cidade conta com moradias suficientes para 3 mil pessoas, mas a população é de menos de 1,6 mil, e vem caindo a cada ano. Quando Rocco Falivena, 56 anos, iniciou seu segundo mandato como prefeito, em 2002, dois números atraíam sua atenção. Quatro: o número de bebês nascidos na cidade no anterior. E cinco: o número de alunos na primeira série da escola local, que aliás atende a mais duas comunidades. "Sabia que meu primeiro trabalho seria tentar salvar a escola", diz Falivena. "Porque uma aldeia sem escola é uma aldeia morta". Ele propôs uma idéia desesperada: pagar para que as mulheres da cidade tivessem bebês.
Em 2003, Falivena informou que pagaria 10 mil euros a cada mulher que tivesse um bebê e o criasse na aldeia. A mulher receberia 1,5 mil euros no nascimento da criança e 1,5 mil euros por ano em seus quatro primeiros aniversários, além de um pagamento final de 2,5 mil euros no dia em que matriculasse seu filho na primeira série. Há algumas indicações de que o bônus de Falivena pela procriação está obtendo sucesso - a primeira série da escola local tem 17 alunos este ano -, mas o número pode ser enganoso. Na verdade, muitos dos novos pais que aproveitaram a oferta eram moradores locais que já planejavam ter filhos, de qualquer maneira. Com cerca de 50 mães agora elegíveis para o pagamento, Falivena não sabe por quanto mais tempo poderá manter o incentivo. E Laviano ainda assim continua a perder moradores.
Em termos demográficos, Laviano não é única na Itália, ou na Europa. Nos anos 90, os demógrafos europeus começaram a perceber uma tendência de queda na população de todo o continente, motivada por uma redução acentuada na taxa de natalidade. As pessoas que não ligam para estatísticas ignoraram a informação até 2002, quando um estudo dos cientistas sociais Hans-Peter Kohler, José Antonio Ortega e Francesco Billari considerou os dados com mais rigor e deu mais uma causa de preocupação aos líderes políticos da União Européia. O número de 2,1 filhos por casal é considerado em geral como "taxa de substituição", ou seja, o índice de natalidade necessário para preservar a população atual de um país. Mas, de acordo com o estudo, pela primeira vez na história o índice de natalidade no sul e leste da Europa havia caído abaixo de 1,3. Para os demógrafos, era um número que representa um portento matemático.
Com índice de natalidade dessa ordem, a população de um país cai à metade em 45 anos, com conseqüências desastrosas que seria quase impossível reverter. Kohler e seus colegas inventaram um novo e ominoso termo para o fenômeno: "baixíssima fertilidade". As principais ameaças para a Europa são econômicas. De acordo com um estudo de Jonathan Grant e Stijn Hoorens, do grupo de pesquisa Rand Europe, "os demógrafos e economistas prevêem que 30 milhões de europeus em idade de trabalho terão 'desaparecido' em 2050. Ao mesmo tempo, as aposentadorias durarão décadas, porque o número de pessoas com 80 e 90 anos de idade aumentará dramaticamente".
A crise, argumentam eles, virá de "uma tripla ameaça de alta na demanda pela previdência social, alta na demanda pelos serviços de saúde e queda nas contribuições gerada pela redução na força de trabalho". Ou seja, já não existirão trabalhadores ativos em número suficiente para bancar as aposentadorias de todos aquelas pessoas cujas aposentadorias durarão décadas. Será que a Europa tal qual a conhecemos desaparecerá? Veneza perdeu mais de metade de sua população, de 1950 para cá. Os moradores acreditam que a cidade se tornará uma espécie de parque temático. O mesmo se aplicará à Europa como um todo? Será que os Estados Unidos verão seus maiores aliados decaírem a uma espécie de Euro Disney em escala continental? Em uma pesquisa promovida pela Comissão Européia em 2006, as mulheres da Europa foram questionadas quanto ao número de filhos que desejariam, e a resposta média foi de 2,36 - bem acima da taxa de substituição e também da natalidade vigente em qualquer país europeu. Portanto, se as mulheres parecem estar tendo muito menos filhos do que desejariam, deve existir alguma outra força em ação. Há uma diferença crucial entre o norte da Europa - incluindo França, Reino Unido e os países escandinavos - e o sul. Os países escandinavos dispõem de sistemas de seguro social muito bem estabelecidos e registram um dos maiores índices de natalidade do continente, com 1,8.
Para compreender melhor a distinção norte-sul, conversei com dois sociólogos: Letizia Mencarini, professora de demografia na Universidade de Turim, e Arnstein Aassve, norueguês que no ano passado começou a lecionar na Universidade Bocconi, em Milão, um dos maiores centros europeus de pesquisas demográficas. Em um almoço, em Milão, os dois analisaram suas culturas. Quando Aassve se transferiu da Noruega à Itália, no ano passado, para estudar questões de fertilidade, conta, ele encontrou um sério problema de choque cultural. Com o avanço dos níveis de educação e do sucesso profissional das mulheres, nas últimas décadas, a Noruega agiu agressivamente para acomodar suas necessidades. O Estado garante 54 semanas de licença-maternidade, bem como seis semanas de licença-paternidade. O nascimento de um filho resulta em pagamento de 4 mil euros pelo governo. Creches subsidiadas são a norma. O custo de vida é alto, mas a suposição é de que ambos os pais trabalhem; durante a licença-maternidade, a mulher recebe 80% de seu salário. "Na Noruega, a preocupação com a fertilidade é moderada", disse Aassve. "O que domina é a questão da igualdade entre os sexos, e isso resulta em alta da fertilidade. Por exemplo, no momento há um debate sobre a imposição de licença-paternidade compulsória." Mas na Itália ele encontrou situação notavelmente diferente. Embora o nível educacional das mulheres italianas tenda a se assemelhar ao das escandinavas, disse ele, apenas 50% das mulheres italianas trabalham, ante 75% a 80% das mulheres nos países escandinavos.
A sociedade italiana prefere que as mulheres fiquem em casa depois que têm filhos, e o governo reforça essa tendência. O Estado não financia creches, especialmente para as mães de crianças pequenas, e a maior parte dos recém-casados continuam a procurar casas perto das de seus pais, sob a suposição de que a família mais ampla os ajudará a criar os filhos. Mas isso já não funciona tão bem quanto no passado. "Os casais tendem a ter filhos mais tarde", disse Aassve, "e a diferença de idade entre as gerações aumenta. Em muitos casos, os avôs, que antigamente ajudavam a tomar conta das crianças, agora precisam eles mesmos de ajuda." Na Escandinávia, graças em parte ao apoio do Estado, quanto mais filhos uma família tiver, mais próspera tenderá a ser, enquanto no sul da Itália ter filhos é um pesadelo financeiro que tende a arrastar uma família à pobreza.
Caso essa leitura dos países do sul da Europa proceda - a de que seu compromisso superficial para com a modernidade, para com um estilo de vida mais adequado ao século XXI, está em choque com uma visão de família ainda enraizada no século XIX -, ela deveria também se aplicar a outras partes do mundo, certo? Bem, aparentemente o faz. O diretor do departamento de saúde da Tailândia anunciou em maior que o índice de natalidade de seu país é hoje de 1,5, bem abaixo da taxa de substituição. "O recorde mundial em termos de baixa fertilidade, no momento, é a Coréia do Sul, com 1,1¿, disse Francesco Billari. "O Japão é igualmente baixo... e parece que por motivos semelhantes aos do sul da Europa". O que nos conduz a uma cintilante exceção. No ano passado, o índice de natalidade dos Estados Unidos atingiu 2,1, o mais elevado desde os anos 60, e um dos mais altos entre os países desenvolvidos. Se somarmos a isso a imigração, teremos um país que está mais que preservando sua população. Este ano, a população americana deve chegar a 304 milhões de habitantes, e o total previsto para 2050 é de 420 milhões. De acordo com Carl Haub, do Serviço de Referência Populacional, e outros estudiosos, um fator que afeta o índice elevado de natalidade dos Estados Unidos se destaca nas mentes de muitos observadores. "No sistema europeu, a flexibilidade é muito menor", ele afirma. "Na Europa, tanto a sociedade quanto o mercado de trabalho são mais rígidos."
Uma mulher americana pode optar por suspender sua carreira durante três a cinco anos e cuidar da família, na expectativa de encontrar emprego quando decidir retornar ao mercado; isso seria muito mais difícil na Europa. Assim, parecem existir dois modelos para obter fertilidade mais elevada: o sistema neo-socialista dos países escandinavos e o sistema mais aberto dos Estados Unidos. Aassve expressou a questão da seguinte maneira: "Poderíamos dizer que, para promover a fertilidade, a sociedade precisa ser ou generosa ou flexível; os Estados Unidos não são muito generosos mas são muito flexíveis. A Itália não é generosa, em termos de serviços sociais, e tampouco é flexível". Em caso de queda da população, uma maneira aparentemente lógica de promover recuperação é encorajar as pessoas a terem mais filhos. Os planos de estímulo à natalidade hoje em vigor na Europa incluem incentivos fiscais, creches subsidiadas e bonificações tanto regulares quanto extraordinárias.
O problema é que ninguém está muito seguro quanto ao efeito dessas políticas sobre o índice de natalidade. O estudo mais abrangente realizado até agora, conduzido em 1997 e envolvendo 22 países, constatou que elevar em 25% os subsídios relacionados à natalidade, a alta no número de nascimentos era de 0,07 criança por mulher. Há quem diga que uma queda na população oferece certas oportunidades: aumentar a eficiência e a qualidade de vida, mudar os estilos de vida e o meio ambiente para melhor. Eisleben, na Alemanha, tem uma linda região central, com construções do século XVI, mas vem perdendo população. Agora, a cidade que deu ao mundo Martinho Lutero pretende aproveitar o fato de que há muitos imóveis vazios para criar centros de arte e lazer cujo objetivo será atrair turistas para o local de origem do pai do protestantismo. A idéia de aceitar a redução e aproveitar seus efeitos para revitalizar a economia é aceita por alguns observadores como o caminho certo para a Europa. Paul Ehrlich, cientista da Universidade Stanford e autor de The Population Bomb, um best seller sobre a explosão demográfica publicado em 1968, me disse que "considerar que um baixo índice de natalidade representa crise é loucura". Uma das soluções para o problema seriam esforços já em curso para ampliar a vida profissional.
Na Holanda, por exemplo, onde graças a planos de aposentadoria antecipada apenas 20% das pessoas de mais de 60 anos continuam trabalhando, o governo recentemente promoveu uma campanha para convencer os cidadãos a trabalhar até os 65 anos. Eu mencionei a idéia a Haub, perguntando se a queda da população não poderia ser vista como "um bom problema" que colocaria a Europa no caminho certo. Ele não acha. "Alterar idades de aposentadoria pode ajudar, mas não se pode ir em frente com índice de natalidade de 1,2. Na Espanha e Itália a faixa etária dos 29 aos 34 anos abarca duas vezes mais pessoas do que a dos zero aos quatro. Isso quer dizer que a pirâmide da população se inverteu, e está apoiada sobre a ponta e não sobre a base. Não é possível existir um país em que todo mundo vive no asilo de velhos."
The New York Times /Comunità Italiana
The New York Times /Comunità Italiana
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