domingo, 26 de outubro de 2008

Má fama ofusca beleza de Nápoles

Cidade está magnífica e como sempre é revigorante caminhar por aqui.Mas, se toda a Itália anda com medo, os napolitanos andam ainda mais.

Michael Kimmelman, do New York Times, em Nápoles

Os pôsteres nas paredes do escritório de Claudio Velardi misturam locais napolitanos encantadores com frases como "Monnezza a chi?" ("Quem você está chamando de lixo?"). Velardi, especialista em relações públicas recrutado em Roma, administra o escritório regional de turismo daqui. Sua campanha publicitária para contrabalancear as imagens que atacaram Nápoles ano passado – as incontáveis fotografias jornalísticas de lixo apodrecendo nas ruas da cidade – claramente não surtiu muito efeito, pelo menos não o suficiente para reverter a situação da cidade. Multidões de turistas continuam afastadas, mesmo que o centro da cidade tenha estado impecável por vários meses. A cultura deveria ser a salvação de Nápoles, assim como acontece em antigos pólos industriais. As fábricas de aço que moviam grande parte da economia local fecharam em sua maioria no final da década de 1970. O terremoto em 1980 contribuiu para a desgraça. Então as coisas melhoraram por um tempo. "Nós tivemos um sonho", disse Nicola Spinoza, responsável pelos museus estaduais de Nápoles. Ele balançou a cabeça, lembrando da promessa na época em que Antonio Bassolino, ex-comunista que se tornou prefeito em 1993, deixou o cargo e passou a ser o governador da região.

Parte da instalação 'Nápoles crucificada', de Mimmo Paladino, no Museu Madre de Arte Contemporânea. (Foto: Peppe Avallone/The New York Times)

A cultura era a arma de Bassolino como prefeito para fazer as mudanças acontrem. Capitalizando o dinheiro e a ajuda que já começava a chegar após o terremoto, a cidade restaurou diversas igrejas, museus e palácios abandonados; livrou pontos de referência do centro da cidade, como a Piazza del Plebiscito, de carros e marginais para dar lugar a instalações de arte contemporânea; e Nápoles começou a se caracterizar como um celeiro de cineastas, atores e músicos. "Bassolino é criticado por fazer muito pela cultura e pouco pelos empregos", disse Francesca Del Vecchio, historiadora da arte daqui, em 1997. "Mas vamos dar tempo a ele. Há quatro anos, não podíamos sentar em um café ao ar livre por causa do trânsito e da violência". Hoje, os napolitanos sentam em cafés ao ar livre, mas reclamam, como já estão acostumados a fazer, do desemprego, do trânsito e da violência. E agora reclamam também dos serviços de coleta de lixo, que por anos estiveram infiltrados na máfia local, a Camorra, e anulados por décadas de indecisão inflamada que finalmente alcançou um ponto em que o último despejo fechou. Nada realmente mudou no fim das contas.

Nicola Spinoza, responsável pelos museus estatais de Nápoles, em 13 de outubro. (Foto: Peppe Avallone/The New York Times)

Uma pessoa de fora pode ter que se esforçar para conciliar a atual beleza do centro da cidade com a melancolia de Spinoza e de praticamente todos daqui. Nápoles está magnífica e como sempre é revigorante caminhar por aqui, mas, se toda a Itália está com medo ultimamente, os napolitanos estão ainda mais.

No pórtico de uma igreja abandonada e que agora é parte do Museu Madre de Arte Contemporânea, uma exposição examina a crise do lixo e a identidade cívica. A igreja é gloriosa, e a exposição não é nem um pouco ruim. O Madre desde 2005 ocupa o renovado palácio Donnaregina do lado, com uma dúzia de instalações permanentes de artistas renomados como Richard Serra e Anish Kapoor preenchendo o enorme e iluminado primeiro andar. É típico do lugar que o tão elogiado filme sobre a máfia "Gomorra", feito aqui, tenha ganhado o prêmio em Cannes este verão, enquanto também documenta o quanto o problema do crime é intratável e devastador.

Ao mesmo tempo, uma competição recente para promover Nápoles resultou em planos para um programa de televisão no qual 10 famílias locais hospedam turistas durante uma tradicional ceia de natal napolitana. Isso também é Nápoles: violenta, porém sentimental. "Eu concordo que não existe razão racional para ter esperanças", disse Ângelo Curti, produtor de filme e teatro que saboreava um almoço leve tradicional de Nápoles em um elegante restaurante: mussarela frita, vegetais fritos, pizza e pasta. "Mas os artistas por natureza olham além do presente e tentam fazer o impossível. É como o trânsito de Nápoles. Se você consegue dirigir aqui, consegue dirigir em qualquer lugar." A grande questão é o quanto a cultura pode fazer para reverter a situação de uma cidade. Turim, na Itália, e Bilbao, na Espanha, são casos de sucesso, mas menos complicados. Durante o auge do fiasco do lixo há alguns meses, lembrou Curti, teatros lotavam. Os napolitanos são pertinazes, observou ele. O dialeto napolitano, os hábitos locais, toda a loucura fervilhante da vida aqui ainda enfeitiça a poesia, o cinema e a televisão italiana, até mesmo o hip-hop, acrescentou. Mas Nápoles nunca foi um lugar "normal", disse Curti, usando uma palavra que os napolitanos usam bastante. "O que falta é um senso de responsabilidade comum", acrescentou. "Quando Bassolino se tornou prefeito, as pessoas falavam sobre finalmente resolver os problemas, mas o fato de que nada aconteceu liquidou a confiança na política. Agora é como tatear uma gaveta vazia." Velardi, do turismo, concorda: "A crise do lixo não foi um problema. Foi mais um retrato do que as pessoas aqui têm passado durante muito tempo. A cidade se tornou dependente demais do dinheiro público de fora, muito complacente. Todos os diferentes regimes que dominaram Nápoles por séculos, da Espanha à força naval americana, reinaram aqui. Não deixaram uma cultura de administração pública. Nossos prefeitos, como Bassolino, chegaram ao poder esperando instituir mudanças democráticas e se deram conta de que estão lutando contra algo difícil demais para ser superado, então decidiram que é mais fácil reinar. Precisamos aprender como governar a nós mesmos."

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