De um lado de uma rua sonolenta no bairro operário de Milão, um prédio baixo abriga uma mesquita conservadora que já esteve ligada à supostos terroristas islâmicos.Do outro lado, um prédio de escritórios dá lugar à redação incipiente da "Yalla Italia" (Vamos, Itália), uma revista mensal escrita por 2Gs - nome que se dá aqui para a segunda geração de imigrantes - para jovens muçulmanos lidando com suas identidades e para italianos curiosos por uma religião e estilo de vida quase extintos há apenas 20 anos.Os dois prédios simbolizam os mundos diferentes habitados pelos muçulmanos italianos, uma comunidade florescente de mais de um milhão que cada vez mais pede para ser ouvida."Estamos separados por dez metros, mas culturalmente estamos a séculos de distância", diz Martino Pilliteri, editor-chefe da revista. Nesse microcosmo milanês, Pilliteri vê o que ele acredita ser o conflito cultural entre a comunidade muçulmana da Itália - "uma visão em direção ao passado, e a outra em direção ao futuro".
Sentados a uma comprida mesa de reuniões, um grupo de jovens de 20 e poucos anos econtrou-se para um encontro semanal. A maioria era de mulheres, várias usavam lenços na cabeça, e quase todas roubaram algumas horas de seus estudos universitários ou empregos diários. Alguns chegaram na Itália quando eram crianças, outros nasceram aqui de casamentos mistos, e outros ainda viveram para estudar e ficaram por amor. Eles são ao mesmo tempo italianos, europeus e muçulmanos."Yalla Italia" é um espelho de suas vidas, cobrindo uma variedade de preocupações que os muçulmanos que vivem numa sociedade não-muçulmana enfrentam diariamente.
Rassmea Salah, metade italiana, metade egípcia, refletiu num texto no site Vita, uma revista sem fins lucrativos que abriga as oito páginas do suplemento "Yalla Italia" uma vez por mês, sobre assuntos como: "Usar ou não usar o burquíni [maiô para muçulmanas, que cobre o corpo todo]? Como combinar caftans [túnica muçulmana] com jeans. Comer carne de porco ou halal [alimentos permitidos]? Rezar cinco vezes por dia ou personalizar todos os preceitos?""A segunda geração de imigrantes é uma fonte muito rica porque vive no meio e pode transitar pelas duas culturas", diz Luca Visconti, professor da Universidade Bocconi em Milão que este ano publicou um estudo sobre marketing focado na segunda geração de imigrantes. "É um recurso fundamental no qual se deve investir".
A mensagem positiva da "Yalla Italia" também serve como um antídoto para as notícias mais sensacionalistas da mídia tradicional italiana que tende a alimentar a insegurança - ou o ressentimento - em relação aos imigrantes islâmicos.Quando centenas de muçulmanos de várias cidades italianas protestaram contra a recente guerra em Gaza, rezando em frente de catedrais e monumentos, o jornal conservador Il Giornale alertou para "uma ocupação". Beppe Pisanu, ex-ministro de interior do Partido do Povo de Silvio Berlusconi, disse que os protestos eram "uma operação fundamentalista, as preliminares do terrorismo", informou a agência de notícias Ansa.
O ministro de Interior, Roberto Maroni, do partido anti-imigração Liga Norte, expressou preocupação em relação "à segunda geração de grupos de imigrantes radicais", avisando que a Itália se arriscava a "uma situação como a dos banlieus de Paris", as regiões suburbanas de população imigrante e descontente da capital francesa onde a violência irrompeu em 2005.O porta-voz da Câmara, Gianfranco Fini, pediu aos imãs da Itália para usar o italiano como língua oficial dos sermões e palestras."O Islã tem vários aspectos diferentes - não é monolítico - e a "Yalla Italia" permite que muitas realidades sejam conhecidas", diz Rufaida Hamid, 20, que se mudou de Kashmir para a Itália em 2001 e estuda para se tornar farmacêutico. "Serei parte do futuro dos italianos. Não quero ficar isolado".
Em relação a outros países europeus, a imigração na Itália é relativamente recente, e o país ainda tem dificuldades para lidar com sua crescente população estrangeira. Se o modelo francês foi de integrar através da cidadania, e a Grã-Bretanha optou pelo multiculturalismo, ambos com resultados variados, a Itália ainda parece incapaz de decidir que modelo seguir.As políticas do governo tendem a favorecer a repressão em detrimento da integração. Depois que o Senado italiano aprovou uma lei dificultando as políticas de imigração este mês, a "Famiglia Cristiana", uma influente revista católica romana, acusou a Itália de mergulhar "no abismo das leis raciais", uma série de medidas anti-semitas que foram aprovadas pelo governo fascista em 1938. A lei ainda não foi aprovada pela Câmara."
A Itália ainda não escolheu um modelo específico para lidar com o Islã", diz Farian Sabahi, professora de história dos países islâmicos na Universidade de Turim e editorialista do jornal diário Corriere della Sera, que escreveu livros sobres os muçulmanos na Europa. "Não tem sido uma prioridade do governo, e isso é constrangedor, porque vai contra o que os outros países europeus estão tentando fazer"."Os muçulmanos assustam os italianos" porque muitos são pobres, diz Sabahi. E, é claro, diz ela, por causa da associação que se faz entre o Islã e o terrorismo nos últimos anos. "Há uma insinuação de que os muçulmanos são possíveis terroristas, assim como os romenos são vistos como estupradores, por causa da quantidade de casos de estupro supostamente envolvendo romenos na Itália nas últimas semanas".Ela duvida que a Itália viverá a mesma inquietação que varreu os subúrbios da França, mas acha que é essencial eliminar possíveis áreas de descontentamento, por exemplo permitindo que os muçulmanos construam mesquitas.
Em várias cidades italianas, principalmente no norte, os políticos exploram o ressentimento contra os imigrantes para impedir a construção de novos lugares de culto islâmico.Os imigrantes da segunda geração - que somam aproximadamente 700 mil na Itália - podem ser essenciais para a integração, diz Lubna Ammoune, 20, que é milanesa de nascimento e tem origem Síria. "Gosto de pensar que somos uma ponte", diz Ammoune, que escreve no blog da "Yalla Italia" e para a versão online do diário La Stampa, de Turim.
"Yalla Italia", que começou em maio de 2007, espera "mostrar aos italianos uma realidade construtiva que eles não esperam", diz Ouejdane Mejri, 32, que veio da Tunísia para estudar na Itália e agora ensina tecnologia da informação na Politécnica de Milão. "Os imigrantes não só pessoas que naufragam numa praia. Nós pagamos impostos, participamos da sociedade, esforçamo-nos para nos integrar.""Somos o futuro da Itália, e queremos ser protagonistas dele".
Herald Tribune













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