Enquanto as câmeras fotográficas eram disparadas e os operadores de vídeo se aproximavam para um close-up, Giorgio Schultze levantava as mãos desafiadoramente. Em uma delas, ele segurava uma lata de Coca-Cola e, na outra, um doner kebab - o sanduíche apimentado e ultra-recheado de carne bovina que se tornou tão comum quanto a pizza nesta cidade do norte da Itália.
Agora eu estou cometendo dois crimes", diz Schultze, um candidato independente nas eleições para o Parlamento Europeu em junho. "Estou comendo do lado de fora. E também bebendo".Na verdade, é provável que os milhares, se não dezenas de milhares, de moradores da Lombardia estejam furiosos com uma lei regional aprovada nesta semana que regulamenta a maneira como restaurantes de fast-food e estabelecimentos que vendem refeições para viagem podem vender a comida que produzem.A lei, que se aplica também a sorveterias e quiosques de pizza, proíbe os estabelecimentos que não tenham licença para funcionar como restaurantes ou bares vendam qualquer coisa, a não ser aquilo que produzam no local, incluindo bebidas. Os consumidores que comerem fora desses estabelecimentos não poderão sentar-se nem usar utensílios de plástico (como estava de pé e segurava o seu kebab com um guardanapo, tecnicamente Schultze só violou uma lei).Mas o que atraiu dezenas de pessoas para um chamado almoço de protesto em frente a uma casa de doner kebab na última quinta-feira foi o temor de que a lei tenha como alvo os restaurantes de fast-food administrados por imigrantes. A medida foi aprovada na terça-feira pela maioria de centro-direita, mas foi defendida pela conservadora Liga Norte como forma de preservar a identidade tradicional das cidades italianas. Recentemente, o partido tem feito lobby em âmbito nacional para criar grupos desarmados de cidadãos que façam patrulhas para prevenir crimes violentos, que são em grande parte atribuídos aos imigrantes.
"Na sua forma original a legislação era mais racista - ela tinha como objetivo específico tirar as casas de kebab do centro da cidade", diz Giuseppe Civati, um parlamentar local do partido oposicionista Esquerda Democrática, que organizou o protesto a partir do seu blog e, a seguir, através do Facebook, onde centenas de pessoas juntaram-se ao seu grupo.Na verdade, na Itália há vários grupos "anti-kebab" no Facebook. Civati diz que em Bérgamo há grupos de Facebook contrários e favoráveis ao kebab que competem ferozmente por membros. Os fãs italianos de comida estrangeira podem também ingressar em um grupo que se denomina Clã do Cuscuz, e que promete aquilo que chama de "transcontaminação gastronômica". Ele teve início 15 anos atrás, em Turim, e transformou-se em grupo do Facebook neste ano, depois que a cidade toscana de Lucca proibiu a abertura de novos restaurantess étnicos e de fast-food no seu centro histórico. Os que apoiam a lei dizem que ela finalmente regulamenta um setor que durante anos possui um status legal confuso. Essas pessoas dizem que, ao invés de restringir a venda de refeições para viagem, a lei legaliza aquilo que tem sido um comportamento clandestino, e ao mesmo tempo protege os bares e os restaurantes da competição injusta por parte das empresas de fast-food. "Os bares e os restaurantes precisam seguir normas sanitárias estritas, bem como diversas outras leis, que não eram seguidas por esses estabelecimentos, e isso não era justo", diz Lino Stoppani, presidente da Federação Italiana de Bares.Aqueles que violarem a nova lei, que também obriga os estabelecimentos a fechar em determinado horário, pagarão multas de US$ 195 (R$ 427) a US$ 1.300 (R$ 2.800).Mas Civati afirma: "Trata-se de uma lei ridícula e as multas jamais serão aplicadas. Este é um sinal de que existe muita confusão política".
Herald Tribune
Tradução: UOL
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