domingo, 22 de janeiro de 2012

Roma em três di9mensões

ANTONIO GONÇALVES FILHO - O Estado de S.Paulo -Roma, conta o historiador Guido Clemente, curador da exposição Roma - A Vida e os Imperadores, não passava de uma aldeia de pastores e agricultores ao ser fundada, em 753 a.C., mas virou um império tão vasto que os romanos se consideravam os donos do Mar Mediterrâneo, a ponto de rebatizá-lo como Mare Nostrum, observa Clemente. Para afirmar esse poder, os imperadores - de Augusto a Claudio - se fizeram retratar com a iconografia normalmente reservada aos deuses, sendo o modelo recorrente a ninguém menos que Júpiter, pai de Marte e avô de Rômulo e Remo, fundadores de Roma. Considerando que os imperadores morriam e viravam deuses, eles já treinavam aqui na Terra, e isso fica claro na mostra, aberta a partir de quarta-feira, no Masp.
 
ROMA - A VIDA E OS IMPERADORES, em cartaz no MASP a partir de 25 de janeiro de 2012 (na imagem, cabeça colossal de Júlio César, Arquivo Museu Nacional de Nápoles)
 
São 370 obras do período em que a arte clássica atingiu seu apogeu no Império, peças impressionantes como a estátua do deus Júpiter (o verdadeiro) que ilustra esta página, pertencente ao Museu Nacional Romano, uma das quatro instituições italianas que abriram seu acervo para a mostra. Nela, o rei dos deuses parece ter a cabeça desproporcional ao tronco nu que a suporta - e, nesse caso, não se incorpora uma metáfora como a dos imperadores que dele se apropriaram. É que a cabeça foi, de fato, esculpida separadamente do corpo e tem proporções maiores em relação aos ombros. São duas toneladas de beleza e perfeição anatômica, qualidade de quase todas as esculturas da exposição, na qual se destaca uma estátua de Vênus, a deusa do amor, agachada e flagrada durante o banho por um artista romano que copiou o original de Doidalsas, escultor do século 2.º.

Curador do Masp, o crítico José Roberto Teixeira Coelho nota que a Vênus romana faz lembrar as mulheres que o francês Jean-Auguste Dominique Ingres (1780-1867) pintaria séculos depois (o que é justificável, tratando-se do filho de um escultor ornamentista e aluno de David, mestre neoclássico). De fato, a equilibrada composição da escultura romana clássica deve ter inspirado Ingres durante a temporada que passou na capital italiana. Os neoclássicos franceses devem muito à estatuária romana, assim como os escultores romanos devem aos gregos. "No entanto, foram os escultores romanos que inventaram o modelo realista, o retrato", observa o curador Clemente, apontando como exemplo o busto do imperador Vespasiano, o primeiro da dinastia dos flavianos e iniciador da construção do Coliseu de Roma. A 'facia bruta' de Vespasiano lembra os rostos caricaturais dos personagens fellinianos, revelando a expressão tensa de um homem destinado a reorganizar um império decadente.

Foi justamente a vida romana, entre os excessos dos imperadores e a árdua batalha cotidiana de seus cidadãos, que levou o curador Guido Clemente a organizar uma mostra conceitual, que tem tanto as estátuas dos senhores como objetos simples usados pelas famílias, escravos e gladiadores. "De um lado o poder, do outro o circo", resume o curador, esclarecendo que, ao organizar a mostra monumental, não pretendia fazer a apologia dos imperadores romanos, "que de fato foram cruéis, mas conseguiram governar um império multiétnico".

É esse aspecto particular, o de Roma como caldeirão de culturas, que Clemente quer destacar. Ele mostra a cabeça de um jovem negro como exemplo do retrato realista que artistas de Roma perseguiam ao tomar como modelos os estrangeiros, que, segundo o curador, mantinham razoável autonomia cultural, embora subordinados ao império - muitos além da conta, pois metade da população era formada por escravos. Em cada caso, o respeito à diversidade cultural parecia mesmo existir. As cidades imperiais ganhavam com o trânsito livre do estrangeiro. É uma lição que o mundo moderno e globalizado parece não ter ainda aprendido.

 imagem http://masp.art.br

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