Um juiz no sul da Itália está
lançando um programa pioneiro para ajudar filhos de líderes da máfia a
escapar da vida do crime, ao retirar a custódia das famílias assim que é
cometido algum delito.
"Nós precisamos achar alguma forma de romper
este ciclo que transmite valores culturais negativos de pai para filho",
diz Roberto di Bella, presidente do tribunal juvenil da região da
Calábria, no sul do país.
O local abriga um dos grupos
mafiosos mais conhecidos da Itália, a 'Ndrangheta, tido por ser o maior
responsável pelo tráfico de cocaína da Europa.
Organizações da máfia sempre se forjam com laços
familiares. Isso é especialmente verdadeiro no caso da 'Ndrangheta, o
que dificulta o trabalho das forças de segurança que investigam crimes.
"Existe um batismo religioso e um batismo
mafioso, que confirma o ingresso na máfia em uma determinada idade", diz
Antonio Nicaso, que estuda o tema.
"Isso significa que, em geral, filhos de mafiosos, sobretudo os primogênitos, são predestinados a seguir os passos do pai."
Casamentos forçados
Filhas são, por vezes, convencidas a se casar com filhos de outros mafiosos, unindo grupos criminosos por laços de sangue.
"Algumas cartas escritas por mulheres relatam
que suas filhas são obrigadas a se casar com homens que não amam apenas
para aumentar o poder da família", diz Nicaso.
Do outro lado do Estreito de Messina (que separa
a península italiana da ilha da Sicília), a máfia siciliana tem sido
enfraquecida pela ação dos pentiti – os penitentes – que colaboraram com a polícia e delataram os crimes de diversos ex-colegas.
Mas a 'Ndrangheta não produz muitos delatores. Os códigos de conduta passam de geração para geração.
Nos últimos tempos, o juiz Di Bella tem lidado
com filhos de mafiosos que foram condenados por delitos nos anos 1990.
No ano passado, ele resolveu tomar uma providência.
Seu tribunal decidiu dedicar esforços de combate
ao crime às crianças de 14 e 15 anos que pertencem a famílias famosas
de mafiosos. Nessa idade, muitos começam a adotar a "mentalidade
mafiosa", cometendo pequenos delitos.
Como a máfia recruta crianças
A 'Ndrangheta também recruta crianças de fora das famílias criminosas.
"Eles (os mafiosos) passam pelos bairros convocando as crianças mais fortes e corajosas e escolhem as melhores", diz o pesquisador Antonio Nicaso.
Por um tempo, as crianças fazem uma espécie de estágio.
"Elas são seguidas, para que se tenha certeza que são confiáveis, e depois são apresentadas aos chefes. A pessoa que faz a apresentação fica responsável pela criança."
"Eles fazem os mais jovens acreditarem que a 'Ndrangheta é uma organização de pessoas especiais, com código de respeito e honra."
Elas também passam por um ritual de iniciação.
Ao fazer o juramento, um corte é feito no dedo do novato. O sangue jorra sobre uma foto de São Miguel Arcanjo, visto pelos mafiosos como seu santo padroeiro.
"O ícone é queimado e colocado em chamas na mão do iniciado, enquanto ele faz um juramento de fidelidade à organização, pedindo para que seja queimado como o santo, no caso de traição."
"Eles (os mafiosos) passam pelos bairros convocando as crianças mais fortes e corajosas e escolhem as melhores", diz o pesquisador Antonio Nicaso.
Por um tempo, as crianças fazem uma espécie de estágio.
"Elas são seguidas, para que se tenha certeza que são confiáveis, e depois são apresentadas aos chefes. A pessoa que faz a apresentação fica responsável pela criança."
"Eles fazem os mais jovens acreditarem que a 'Ndrangheta é uma organização de pessoas especiais, com código de respeito e honra."
Elas também passam por um ritual de iniciação.
Ao fazer o juramento, um corte é feito no dedo do novato. O sangue jorra sobre uma foto de São Miguel Arcanjo, visto pelos mafiosos como seu santo padroeiro.
"O ícone é queimado e colocado em chamas na mão do iniciado, enquanto ele faz um juramento de fidelidade à organização, pedindo para que seja queimado como o santo, no caso de traição."
Até agora, 15 adolescentes – todos eles meninos –
foram retirados da custódia das famílias e colocados em lares
especiais. Eles não foram colocados na prisão e têm liberdade para
visitar suas casas com frequência.
"Isso sempre começa com um caso na Justiça", diz
Di Bella. "Quando estas crianças são acusadas de bullying, de
vandalizar carros ou viaturas policiais, e as famílias não fazem nada,
nós interviemos."
"Toda vez que tenho que tirar um menor de uma
família, é uma decisão muito difícil. Eu tenho que fazer um julgamento
muito profundo."
Muitas vezes, Di Bella diz que seu tribunal não tem alternativa.
"Nosso objetivo é mostrar a esses jovens que
existe um mundo diferente do qual eles nasceram. Se você convive com um
pai, tio ou avô mafioso, não existe alguém para ensinar as regras, e nós
oferecemos esse contexto."
Escolhas difíceis
A esperança é que os jovens consigam voltar de forma permanente para casa aos 18 anos, e que eles renunciem à vida do crime.
Colocar jovens mafiosos em lares especiais não é
novidade. O que é diferente neste caso é que a intervenção começa muito
mais cedo, com ação coordenada entre serviços sociais e psicólogos.
O programa ainda está em um estágio
experimental. Di Bella prevê que muitos jovens serão retirados de
famílias de mafiosos da Calábria nos próximos meses.
A iniciativa é elogiada por Mario Nasone, que
trabalha no serviço social e tem experiência em lidar com crianças
ligada à 'Ndrangheta. Seu grupo conversa também com os pais dos jovens e
os próprios mafiosos.
"Nós temos que conversar com eles, torná-los
responsáveis. Eles precisam entender que eles não podem agir impunemente
com seus filhos – criá-los como mafiosos."
Nasone acredita que a iniciativa pode dar certo
se conduzida com cuidado. Ele conta a história de um menino de 16 anos
que estava em um centro de detenção. Quando foi solto, a mãe do rapaz
disse que ele precisava voltar para casa para assumir o lugar do pai
mafioso, que havia sido assassinado.
"Você está com eles ou está conosco", foi a escolha colocada pela mãe ao filho.
"Ele acabou decidindo ir para Milão. Nós achamos
um emprego para ele. Mas ele precisou romper todos os laços com sua
família. Não há escolhas fáceis", conta Nasone.
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