A crise econômica está
modificando os hábitos dos italianos em diversos aspectos do cotidiano -
desde a mesa à moda - com o surgimento de novas tendências de consumo
que privilegiam custos menores e mais eficiência.
A produção de alimentos também está mudando em
alguns lugares, com o surgimento de "agricultores 2.0", que usam a
tecnologia para vender sua colheita de forma independente.
Pesquisas mostram também que os
italianos estão mais propensos a participar de 'carsharing' - dividir o
carro entre várias pessoas.
No mundo da moda, muitos italianos recorrem ao
'restyling' - o uso criativo de roupas de segunda mão, para poupar
dinheiro com artigos novos e mais caros.
Menos carne, mais ovo
As compras de alimentos e bebidas diminuíram
mais de 12% desde o início da recessão. Produtos tradicionais à mesa
como azeite extra-virgem e vinho tiveram queda de 6% no ano passado,
enquanto as vendas de macarrão e frango seguem quase inalteradas.
"A crise tem causado um efeito de substituição
dos produtos adquiridos, como por exemplo, a redução do consumo de carne
e de peixe e o aumento na venda de ovos, fonte de proteína mais em
conta", disse à BBC Brasil o responsável do setor econômico da
organização de empresários agrícolas Coldiretti, Lorenzo Bazzana.
Uma das soluções adotadas pelos italianos para economizar é ir às compras com maior frequência.
"Os consumidores evitam encher a despensa ou a
geladeira para não correrem o risco de desperdiçarem alimentos que não
sejam consumidos dentro do prazo de validade", disse Bazzana.
"Outra tendência é a procura por supermercados
'hard discount' (que oferecem grandes descontos) e por canais de
comercialização que diminuam a quantidade de intermediários entre
produtor e consumidor", afirmou.
Novas tendências
Mas as mudanças não se restringem à mesa.
Segundo o sociólogo de consumo e professor da Universidade IULM de
Milão, Nello Barile, a redução do poder aquisitivo da classe média
italiana está contribuindo para se repensar os fundamentos da vida
coletiva e o surgimento de um novo modelo de desenvolvimento.
"A recessão atual inaugura uma nova relação com o
dinheiro, com a classe alta cada vez mais rica e com demandas de luxo e
ostentação cada vez menos justificáveis, e a classe média empobrecida,
que deve contentar-se com as marcas globais que chegam a todos graças ao
barateamento dos preços. No meio disto, existem as táticas para
resistir à crise, que impulsionam práticas ligadas à sustentabilidade e
ao consumo ético e consciente", afirmou Barile em entrevista à BBC
Brasil.
Entre as tendências apontadas pelo sociólogo
estão os GAS ("Gruppi di Acquisti Solidale", ou grupos unidos de
consumo), onde pessoas se reúnem para comprar grandes quantidades de
alimentos e mercadorias diretamente de quem as produz.
A modalidade mais comum é a entrega semanal, em
um único endereço, de produtos cultivados ou fabricados no próprio
território e de modo sustentável, como frutas, verduras, laticínios,
pães, azeite, vinho, carne, macarrão fresco e até cosméticos e produtos
de limpeza. Algumas associações organizam inclusive a "adoção" em grupo
de animais ou árvores frutíferas.
De acordo com uma pesquisa do instituto
Coldiretti/Censis, o fenômeno de compras conjuntas atingia em 2012 mais
de 18% dos italianos.
Quero uma casa no campo
Com uma sólida tradição agrícola e
agroalimentar, e principalmente com uma taxa de desemprego de 42% entre
os jovens, a Itália vê aumentar o interesse das novas gerações pela vida
no campo.
De acordo com um levantamento feito pela
Coldiretti no ano passado, 38% deles prefeririam administrar uma
atividade de agroturismo do que trabalhar em uma multinacional.
A propensão é confirmada pela Confederação
Italiana de Agricultores, segundo a qual o número de trabalhadores
rurais com menos de 35 anos de idade aumentou 5% no ano passado.
"Muitos estão abandonando a ideia de ter um
emprego com salário de mil euros por mês, em cidades onde o custo de
vida é elevado, e estão retornando à terra de origem dos pais para
cultivar o pequeno terreno de família e criar um novo estilo de vida",
disse Barile.
Mas não se trata de um retorno ao passado,
quando a vida no campo era vista como culturalmente atrasada em
comparação à cidade. "Os chamados agricultores 2.0 contam com a
tecnologia para administrar de modo independente a relação
terra-produtor-consumidor", afirmou o sociólogo.
Agricultores 2.0
É o caso de Paolo Rotoli, que há quatro anos
deixou a sua empresa de informática para dedicar-se ao sonho de criança
de produzir queijos. "Comecei com quatro cabras, consultando receitas na
internet e copiando o que os outros faziam. A primeira produção foi um
desastre, tive que refazer várias vezes até aprender as técnicas
antigas", disse o agricultor à BBC Brasil.
Localizada em Bergamasco, na Lombardia, a
atividade de Rotoli conta com a produção de diversos tipos de
laticínios, derivados de carne suína, além de um restaurante. "O
conhecimento informático me ajudou a ter uma visão global da
administração do negócio, a criar um site, a apresentar nossos produtos e
a gerir a comunicação nas redes sociais", disse.
Outro jovem defensor da tecnologia e das redes
sociais na atividade rural é Paolo Guglielmi, que há cinco anos
abandonou a faculdade de economia em Roma, onde viveu até os 22 anos,
para dedicar-se ao terreno agrícola dos avós, na província de Ancona.
"Nossas encomendas são feitas apenas por e-mail.
Todas as semanas enviamos aos nossos clientes uma planilha de Excel com
a lista das frutas e verduras disponíveis e eles nos devolvem
preenchido com os seus pedidos", contou o agricultor à BBC Brasil, pelo
celular, enquanto fazia entregas aos mercados de sua região.
Além da produção hortifrutífera, a fazenda da
família Guglielmi abriga hoje uma colônia de férias para crianças, que
aprendem a preparar adubo, a plantar e a colher, e organiza atividades
para jovens com deficiência.
"Usamos as redes sociais para divulgar nossos
eventos. Minha avó nunca imaginou que tantas pessoas pudessem ter
interesse pelo nosso trabalho", afirmou o jovem, que se declara "feliz
em fazer o que gosta".
Mobilidade
Com a recessão econômica, a paixão dos italianos
pelo automóvel parece ter ido para os boxes. Entre 2008 e 2013, as
vendas de carros novos diminuíram 55%, segundo a Confesercente
(Confederação Italiana dos Exercícios Comerciais). No mesmo período, o
preço da gasolina subiu 23%.
"A crise automobilística é irremediável. O
sistema de 'carsharing' e os grupos de carona organizados nas redes
sociais estão criando um novo conceito de mobilidade nas cidades. Não é
apenas uma questão ecológica, mas principalmente econômica. As pessoas
não estão mais dispostas a gastarem tanto para manterem um carro",
afirmou o sociólogo Barile.
A tendência é confirmada por uma recente
pesquisa onde 71% dos italianos disseram-se propensos a utilizar o
sistema de aluguel de carros por hora. Apenas em Milão, 100 mil pessoas
estão inscritas a um destes serviços. O sistema está presente em pelo
menos outras dez cidades do país, inclusive na capital.
A simplificação na modalidade de inscrição e a
possibilidade de utilizar "apps" e "smarphones" para localizar o
veículo, fazer reservas e acionar o automóvel devem facilitar a adesão
de novos clientes.
'Restyling'
Mesmo com a crise, os italianos não renunciam
aos cuidados com a aparência. Apesar das vendas de roupas e calçados
terem diminuído quase 15% nos últimos cinco anos, as despesas com salões
de beleza, cabelereiro e produtos de higiene pessoal e beleza cresceram
5% no mesmo período.
E se a compra de roupas novas diminui, cresce a
procura por costureiras que fazem consertos e sapateiros.
"O 'restyling'
de roupas de segunda-mão feito de modo criativo e personalizado também
faz parte do consumo ético e, portanto, tende a crescer", afimou Barile,
que é autor, entre outras obras, de um livro sobre o "sistema moda".
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