quarta-feira, 22 de abril de 2015

Na 'Lava Jato italiana', peso dos partidos era diferente, diz filho de condenado



Nos anos 1990, uma das maiores operações anticorrupção da história europeia expôs uma rede com tentáculos nos principais setores da vida política e econômica na Itália.
Foi a Operação Mãos Limpas, ou Mani Pulite, que ajudou a desmantelar esquemas de pagamento de propina por empresas privadas interessadas em garantir contratos com estatais e órgãos públicos e desvio de recursos para o financiamento de campanhas políticas.
A investigação levou ao fim da chamada Primeira República Italiana, cujas principais forças políticas tinham sido a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI).
Bettino Craxi foi líder do PSI entre 1976 e 1993. Foi, também, primeiro-ministro da Itália, entre agosto de 1983 e abril de 1987. Em 1992, foi acusado pela Mãos Limpas de corrupção e financiamento ilegal de partido. Condenado, exilou-se na Tunísia e não cumpriu a pena. Morreu em 2000.
O PSI não chegou a ser extinto e existe até hoje, ainda que com pouca participação no cenário político italiano.
A Mãos Limpas italiana seria a fonte de inspiração de muitos policiais e procuradores que atuam na operação Lava Jato, que investiga o desvio de recursos da Petrobras para partidos políticos, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
BBC
Bettino Craxi foi condenado após mega-operação que desvendou esquemas de corrupção na Itália
Mas para Vittorio Craxi, conhecido como Bobo Craxi, filho de Bettino Craxi e ex-deputado pelo PSI, a Operação Mãos Limpas piorou a situação no país. Segundo Craxi, se antes no meio político havia desvios ilegais para prover fundos a partidos, hoje cometem-se ilegalidades "para financiar-se a si mesmo".
Veja abaixo a entrevista dada à BBC Brasil.
BBC Brasil - É possível estabelecer um paralelo com o que ocorreu na Itália durante a Operação Mãos Limpas com a Operação Lava Jato? O PT pode perder a sua força?
Vittorio Craxi - Acho difícil fazer uma comparação com o que ocorreu na Itália pois o PT é muito maior e mais forte no Brasil do que o Partido Socialista Italiano era naquela época. Embora fosse do poder, o PSI era muito menor do que o PT, não tinha a mesma força que o PT tem hoje no Brasil.
O PT ainda tem condições de se reerguer porque conta com uma história recente de crescimento econômico e com a força do seu líder, (o ex-presidente) Lula, que ainda é muito popular.
BBC Brasil - Apesar disso, dirigentes do partido foram condenados por corrupção.
Craxi - É inevitável que depois de uma prolongada permanência no poder ocorram episódios de corrupção. O risco de degeneração é fisiológico. No Brasil dos últimos anos o crescimento econômico gerou muita 'desenvoltura' no mundo dos negócios, com políticos de esquerda atuando como se fossem de direita.
Este foi o erro do PT, aderir às prerrogativas dos partidos de direita, que defendem o mundo financeiro, o capitalismo liberal e a iniciativa privada.
O partido deve ser salvo com a regeneração dos dirigentes e não com a abolição do próprio partido.
Os brasileiros acabaram de votar e deverão mudar o presidente nas próximas eleições. Esta é a democracia: respeito ao voto dos cidadãos, são estas as regras.
Em geral, penso que neste momento histórico mundial, o melhor papel para a esquerda seja o de oposição. Do contrário, acabaremos por aceitar as regras do capitalismo financeiro global.
BBC Brasil - Nos anos 90, seu pai foi condenado por corrupção e financiamento ilegal do PSI. Ele chegou a admitir que o financiamento irregular dos partidos era uma praxe na época. Ele poderia ter agido de forma diferente?
Craxi - O que ele disse foi que o financiamento de toda a política na Itália, não apenas a do partido dele, era em parte feito de forma ilegal, porque os partidos não declaravam estes recursos, porque havia uma grande desordem nas regras e, portanto, havia grande tolerância com relação a isso.
Foi um discurso muito aberto e franco sobre a importância do financiamento aos partidos, que é uma das condições fundamentais da democracia.
A política é e deve continuar sendo financiada, no modo mais transparente possível. Ou então não se trata de democracia, mas de regime.
Na minha opinião, a solução é tornar o financiamento aos partidos público e 'desfiscalizar' o financiamento privado.
BBC Brasil - O financiamento dos partidos continua sendo um desafio para a política?
Craxi - Penso que o financiamento à política seja um dos grandes temas da democracia. Mas as acusações de corrupção não devem ser generalizadas.
Há casos de corrupção e casos de financiamento irregular à política, e devem ser diferenciados. Isso vale tanto para os partidos de esquerda, quanto de direita.
O ex-presidente (Fernando) Collor também esteve envolvido em atos de corrupção e por isso sofreu o impeachment.
Reuters
João Vaccari, ex-tesoureiro do PT, foi preso suspeito de envolvimento em escândalo de corrupção investigado pela Lava Jato
BBC Brasil - A situação melhorou após a Operação Mãos Limpas?
Craxi - Mudou para pior. Antes cometia-se ilegalidade para financiar os partidos, hoje comete-se ilegalidades para financiar-se a si mesmos.
BBC Brasil - E o que é pior?
Craxi - Hoje existem ladrões, naquela época não. A Operação Mãos Limpas foi um desastre para a Itália, porque os juízes fizeram carreira e alguns foram inclusive acusados de corrupção, os partidos desapareceram.
Não por acaso um homem rico organizou um partido. E partidos pessoais não são partidos. Por isso acredito que as grandes ideias e os grandes partidos devam ser salvos, apesar dos erros que possam ter cometido.
BBC Brasil - Apesar da Operação Mãos Limpas, o fenômeno de propinas e troca de favores continua sendo um assunto na Itália, com diversos episódios recentes de irregularidades. Existem novas formas de corrupção na política?
Craxi - Sim, e infelizmente não é apenas um problema de leis, mas de cultura, de respeito às regras. É preciso fazer um trabalho profundo principalmente nas classes dirigentes do governo.

É difícil modificar a mentalidade de um criminoso, mas podemos ensinar às novas gerações a respeitar antes de tudo a legalidade, a transparência e o respeito das regras.

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