Até 1943, na noite entre 1º e 2 de novembro, toda casa siciliana onde havia uma criança, ficava repleta de mortos, parentes dela. Veja bem, não fantasmas cobertos com um lençol branco e que arrastam correntes, não aqueles que assustam, mas iguaizinhos às pessoas nas fotografias expostas na sala, cansadas, o meio sorriso estampado no rosto, o paletó da missa de domingo passado como se deve, não se diferenciavam nem um pouco dos vivos. Nós pequeninos, antes de dormir, colocávamos debaixo da cama um cesto de vime (o tamanho variava de acordo com a quantidade de dinheiro que a família tinha) o qual, durante a noite, os entes queridos mortos iriam encher de doces e presentes, que encontraríamos no dia 2 de manhã, quando acordássemos. [..] Enfim, no dia 2 de novembro devolvíamos a visita que os mortos nos tinham feito no dia anterior: não era um ritual, mas um costume afetuoso. Em 1943, com os soldados americanos chegou também a árvore de Natal e, lentamente, ano após ano, os mortos esqueceram o caminho que os levava às casas onde os esperavam, felizes e acordados até os olhos queimarem, os filhos ou os filhos dos filhos. — (Andrea Camilleri, Racconti Quotidiani, tradução nossa)
Tive a presunção de traduzir o trecho de um conto do escritor siciliano Andrea Camilleri porque, como ninguém, conseguiu descrever em simples palavras a importância e o significado que o Dia de Finadostinha – e ainda tem – para a cultura italiana, especialmente na Sicília.
Essas tradições, realmente fascinantes, têm raízes nas crenças populares e muitas vezes misturam religião e paganismo, algo frequente na cultura popular da Itália (assim como do Brasil!). Dos Alpes a Lampedusa, não há um só lugar, onde de alguma forma, se comemore com rituais peculiares, o Dia de Finados.
E esses rituais não se resumiam somente a ir ao cemitério, limpar os túmulos, enfim, essas coisas que nós, brasileiros, estamos acostumados. Aqui na Itália, as tradições vão bem além disso, em alguns casos a data é um verdadeiro dia de festa. Para vocês terem uma ideia, antigamente na Campania e na Lombardia, era costume deixar na cozinha um recipiente com água para saciar a sede dos defuntos. No Piemonte se adicionava um lugar à mais na mesa para os mortos que viriam visitar a casa. No Friuli deixava-se uma vela acesa, um balde de água e um pouco de pão para o morto. No Trentino os sinos soam para chamar as almas. No Abruzzo, deixava-se a mesa posta e uma vela acesa na janela para cada alma. Em Roma, a tradição era de fazer uma refeição junto ao túmulo do ente querido. Na Puglia a mesa era posta em um modo especial para homenagear os defuntos, pois se acreditava que eles permaneceriam nas casas até o Natal. Na Sardenha, a mesa não era desfeita após o jantar para permitir que os defuntos pudessem se alimentar durante a madrugada.
O dia de Finados na Sicília
Foi na Sicília que conheci a peculiaridade das antigas tradições do dia de Finados na Itália. Aqui, até muitos anos atrás, era uma festa mágica e especial, principalmente para as crianças, como vocês podem imaginar lendo a citação no início do texto. O dia de Finados não era considerado um dia triste, mas uma data festiva, para celebrar o retorno simbólico dos entes queridos que já tinham partido dessa para melhor.
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