Frei Rovilio Costa nasceu em Veranópolis (RS) em 20-8-1934. Licenciado em Filosofia e Pedagogia, é Mestre em Educação e Livre Docente em Antropologia Cultural. Foi professor da Faculdade de Educação da UFRGS, diretor e professor da Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, de Porto Alegre. Atuou como Vigário Paroquial em Ipê, Antônio Prado, na paróquia Sagrada Família de Porto Alegre e atualmente vigário da Igreja Maronita Nossa Senhora do Líbano de Porto Alegre. É fundador e diretor de EST Edições e membro do Instituto Histórico de São Leopoldo, da Academia Rio-Grandense de Letras e da Academia Brasileira de Jornalismo.
Autor de Psicologia da fraternidade religiosa, 1973; Sociopsicologia, 1973; Personalidade e ciência social, 1974; Primado da pessoa na vida cristã, 1974; Imigração Italiana no RS: vida, costumes e tradições, 1975; Antropologia visual da Imigração italiana, 1976; Descrição dos antecedentes da delinqüência juvenil em Porto Alegre, 1976; Delinqüência juvenil: antecedentes, 1976; Os italianos do RS, 1980; Assim vivem os italianos, 3 v., 1982; Práticas de comunicação, 1983; Imigração Italiana no RS: fontes históricas, 1988; Povoadores da Colônia Caxias, 1992; Colônia Caxias: origens, 1993; Colônias Italianas Dona Isabel e Conde d'Eu, 1991; Povoadores das colônias Alfredo Chaves, Guaporé e Encantado, 1997; Os capuchinhos do Rio Grande do Sul, 1996; Povoadores de Cotiporã, 2 vs. 1998; Raízes de Veranópolis, 1998; Far la Mèrica, 1991; Gli Italiani del RS, 1987; La presenza italiana nella Storia e nella cultura del Brasile, 1990.
Por e-mail, Frei Rovilio Costa concedeu a seguinte entrevista ao blog:
Blog - Frei, temos lido muito a respeito de suas pesquisas sobre imigração italiana, alemã e outras. Por que as pessoas se interessam tanto pela descoberta de sua ancestralidade? Apenas para o resgate da história familiar ou por causa de cidadania?
FRC - O útil sempre é procurado por primeiro. De fato, muitos jovens buscam apenas a cidadania, seja italiana que outras. Outros têm o sonho de conhecer a terra dos antepassados, então querem identificar dados, pessoas e lugares originários. E os relatos do encontro com parentes longínquos e com o solo originário são apoteóticos em emoções, lágrimas, imaginações, retornos, avanços... Recria-se a história a partir do que se ouviu, do que se imaginou e do que se encontra. Quando parentes, por desconfiarem de meros interesses, não recebem os emigrados, a revolta e a raiva tomam conta. Indiscutivelmente há hoje um interesse identitário, que surge como o diferencial entre famílias e grupos comunitários. Mesmo os que inicialmente buscam dados materiais para cidadania ou viagens, ao se encontrarem com o locus da emigração, mudam completamente seu pensar e passam à sua história se apaixonar.
Blog – Cidadania: o que muita gente busca, apenas levantar os dados de um ancestral para fins de cidadania é, em sua opinião, omitir o resgate às raízes, sem se importar com a história, dando mais valor à documentação?
FRC - Não vamos julgar a partir do imediatismo. Quem procura dados para a cidadania tem ao menos interesse em se assumir como italiano, alemão, belga, mesmo que seja por interesse. Se olharmos a prática, só busca estudar a genealogia e a história quem delas já está longe, morando em centros urbanos, longe de familiares e grupos de convivência étnica, o que não desperta interesse para quem ainda vive o contexto espontâneo da imigração e sua seqüência. Então, os progressivamente interessados no resgate da história pessoal são as pessoas de médio para alto nível cultural e socioeconômico, que vivem em contexto culturalmente diversificado, que deseja viajar, estudar no planeta humano, precisando de alguma base que, no caso, é a própria cidadania originária. Não importam as razões por que as pessoas buscam a cidadania, importa sim que por caminhos diversos todos voltam a assumir a própria etnia e cultura e isto, no mundo global, é o diferencial. Ademais, direito de sangue não se avalia por conhecimentos lingüísticos, nem por maior ou menor afeição ao país de origem. Reside no sangue, e pronto.
Blog - Em sua opinião, qual a importância dos registros eclesiásticos na busca pela ancestralidade?
FRC - Até a República, os documentos eclesiásticos valem também para o civil. Embora a cidadania brasileira parta, hoje, do documento civil, em caso de necessidade se apela aos documentos eclesiásticos. Estes trazem também histórico próprio de pessoas, por exemplo, que optam apenas pelo casamento civil, e os documentos de batismo e crisma têm dimensão e significado próprio que poderia ser mais avaliado pela história também. Indicam a caminhada do grupo familiar e sua inserção na sociedade. Assim, as fotos de batizados, crismas, casamentos e óbitos são de relevância porque possibilitam mais caminhos para o resgate demográfico. Hoje, temos os registros religiosos da Santa Casa de Porto Alegre, que nos dão o retrato completo da demografia porto-alegrense no período em que a Santa Casa era único hospital e único cemitério. Os prontuários médicos da época são de uma valia que nunca mais vai se chegar a algo igual.
Blog - A Igreja Católica, com a instituição dos registros paroquiais nos permite o levantamento dos batismos e casamentos no período em que o registro civil no país ainda não era obrigatório. Podem ter ocorrido casamentos entre imigrantes (nosso foco) sem estes registros paroquiais? Se sim, como eram feitos?
FRC - Por princípio, os registros devem existir por ser o Catolicismo a religião oficial do Estado. A par, se italianos e outros fizeram seus registros religiosos em denominações religiosas não reconhecidas, mesmo assim servem para comprovação de origem. Não conheço casos de famílias sem registro algum. Porque o Império assumia os registros feitos pelo padre, não significa que os que não quisessem se registrar nas paróquias tivessem seu registro negado. Em Caxias, por exemplo, são básicos, os registros do Império, onde há os que se apresentaram ao padre e também os que se negaram a fazê-lo. Ninguém ficaria sem registro.
Blog - Qual a diferença entre "filho" e "filho legítimo" num registro de batismo? Filho legítimo é porque os pais eram casados legalmente?
FRC - Um filho é legítimo civilmente se casado conforme as leis do país, em vigor; é legítimo religiosamente, se os pais são casados na Igreja também. Por isto aparecem casos em que filhos são dados como naturais no civil e legítimos no religioso, porque quando tais filhos nasceram os pais ainda não haviam feito o casamento civil, mas apenas o religioso. Quando fizerem o civil, os filhos passam a ser legitimados. O mesmo acontecia com a Igreja, para quem casava no civil e só depois de nascidos filhos casavam no religioso, estes então passavam a ser legitimados perante a Igreja.
Blog - Por que em algumas dioceses (exemplo: Bagé - RS) as pessoas encontram tanta dificuldade para realizar suas pesquisas?
FRC - Em princípio, dados cartoriais, seja eclesiásticos que civis, são de sigilo familiar, não são dados de pesquisa. Para obtê-los precisa ter razões justificadas. Se cartórios de um ou outro fôro permitem a pesquisa, o fazem sob sua responsabilidade. O cartório é obrigado a pesquisar e dar os atestados solicitados, não, porém, a dar acesso direto aos livros de registros, o que seria de sua responsabilidade se o fizesse.
Blog - Registros de imigrantes que entraram pelo Uruguai ou pelo porto de Rio Grande - quão difíceis são de serem encontrados? Podem alguns desses imigrantes, que ingressaram pelo Uruguai, ou mesmo pela Argentina, terem entrado ilegalmente no país e com isto não termos registros deles?
FRC - Mesmo que tenham entrado ilegalmente, entraram registrados no país anterior, como é o caso de entrados via campos neutrais. Depois de no território, à medida das ocorrências ocorriam os registros. Não significa a inexistência de falhas, pois de 1968-76, em certa localidade do Estado, em trabalho voluntário num município da Grande Porto Alegre, encontraram-se famílias com um ou mais filhos não registrados. Lembro que, estes casos, não eram de descendentes de imigrantes europeus que se anunciam tais.
Blog - Como o senhor definiria "italianidade"?
FRC - A italianidade é auto-imagem e auto-estima positiva ou negativa de quem nasceu portando sangue italiano, nascido em qualquer parte do mundo. Seu significado pessoal se relaciona diretamente com a consciência que cada um tem de sê-lo, e se enriquece com a conservação de costumes, vivências culturais, como secundárias, porque evoluem de país a país. Sangue é essencial, consciência indica o estado atual e existencial.
Blog - Como o senhor vê o engajamento dos “oriundi” na luta por melhoria de atendimento em filas de consulados, direito à cidadania pelo lado da mulher italiana, para os nascidos antes de 1948 etc.? Concorda?
FRC - Minha impressão é que a Itália tem medo da reconquista de seus cidadãos nascidos fora do território. Um simples processo, instaurado no país do descendente, comprovando sua origem italiana, deve ser o suficiente para ser cidadão italiano, independente de saber o município de origem ou não. Ele é simplesmente herdeiro de um direito natural que não pode ser limitado nem embargado, diferenciando paternidade e maternidade. Comprovado que é filho de pai ou mãe italiana, está feito. E os juristas devem começar a se voltar aos 60 milhões de injustiçados descendentes sujeitos ao vexame, humilhações e, por vezes, explorações, para terem seu sangue reconhecido. Se é provado que o país recebeu seus genitores como italianos, a Itália deve ainda agradecer este acolhimento dados aos filhos que ela não tinha condições de manter em seu território. É um caso típico de direito internacional. O institucional não pode negar o pessoal.
Blog - Sabemos de sua participação em instituições como o Colégio Brasileiro de Genealogia e agora na Sociedade Genealógica Italiana do Brasil. Como podem essas instituições ajudar na busca genealógica ou no resgate da história familiar? Como elas se tornam importantes neste contexto? Por que é importante que pessoas estejam ligadas a instituições?
FRC - Precisamos lembrar que os imigrantes agrícolas, sobretudo vinham ao país em condições lamentáveis social, cultural e economicamente. Começaram tudo do zero, e não passaram aos filhos informações que não eram de interesse, no momento em que a sobrevivência era o apenas querido por todos. Se referissem à sua origem, referiam-se quando muito à Província. Como no país até os nomes estrangeiros deviam ser vertidos ao português, não havia nenhum interesse em registrar a localidade de origem, que, se existe, dependeu da livre vontade de quem fez os registros. Hoje, resgatar o solo, o país, a província, a região, o comune, pessoas e lugares, é essencial para o diálogo entre raças, culturas, etnias e línguas. Todo e qualquer registro, toda e qualquer luz que instituições e pessoas lançarem na história pessoal será um ganho cultural.
Blog - Seus livros são apreciados por um grande número de pessoas, especialmente por quem faz o levantamento de seus italianos e buscam a entrada nas colônias. O senhor tem mais algum plano de livros mais abrangentes sobre imigração italiana no Sul do país?
FRC - Meu plano seria publicar os registros de entradas no país desde 1924, quando começam as levas européias não portuguesas; a publicação das origens da população açoriana; tudo o que se refere à africanidade, sendo possíveis, sobretudo, óbitos e alforrias, dando oportunidade também a publicações sobre povos indígenas, prevalecendo a importância do resgate lingüístico, que considero básico para entender essas populações e conhecer a raiz maior do país.
Blog - Ainda sobre a pergunta acima, que tal um livro com os registros de entradas de todos (ou quase todos) os imigrantes italianos no Brasil? Entradas de navios, hospedarias etc.
FRC - Os órgãos que detêm as documentações nem sempre entendem nossas buscas e pretensões. Se entendessem facilitaria ao máximo, o que não acontece nem para o mínimo. Então, a gente vai catando, como galinha cata grãos de milho. Quem tiver dados e nos quer repassar, serão acolhidos em favor de todos. Mesmo com a informática, precisamos pensar naqueles que ainda não chegaram à máquina datilográfica, estes só podem chegar até o livro de papel, que no longínquo amanhã pode ficar como mero documento de épocas passadas. Não só as listagens de italianos, bem como dos demais, ao menos de 1875 até a I ou II Guerra, seria uma conquista sabermos quem entrou no Brasil, quando e para onde foi.
A entrada foi o primeiro passo, e as pessoas continuam andando nos descendentes, portanto estamos todos a caminho ainda. Caminhemos para trás, no começo da história e estaremos caminhando seguros para frente.
Blog - Teria alguma mensagem para deixar para as pessoas que, por vezes, passam anos em suas pesquisas e muito pouco ou nada avançam em suas descobertas?FRC - Eu diria a estas pessoas que comecem a história por si mesmas, registrando as próprias palavras, o próprio pensar, depois de se perguntar se isto é meu, ou herdado. Não procurar fora o que se tem em casa. O vizinho, o parente, o ancião podem saber dados de minha própria família. Nas veias temos o sangue de origem, vamos cultivar bem e valorizar estes, mesmo que não encontremos todos os dados que pretendemos. Até é melhor que sempre falte algo, para a pesquisa ter também o sabor do sonho, da criatividade, da garra, da conquista. Afinal, não caímos do céu, mas nossos pais tiveram que cavar a terra para nós termos a vida. São filhos do mínimo possível para existir e do máximo de utopias e sonhos para o próprio destino conseguir.
Blog - O que acha de publicar um livro contando breves histórias de famílias de pessoas que hoje fazem suas buscas?
FRC - Hoje, o livro é tão comum como um caderno que se compra para trabalho de aula. Cada pesquisador que fez a pesquisa de sua família deveria fazer um livreto simples, para estar à mão de todos os parentes, a fim de irem completando sua própria história. O grande livro para pesquisa genérica interessa aos pesquisadores, os livros familiares despertam vivenciadores. A vida é nosso pódio. E as histórias de vida começam o elo com o passado e o futuro. Somos o ontem e o amanhã no palco do hoje. O ponto fulcral da espiral é o familiar.
Desculpem o papo. Demos à historia a fisionomia que nossos antepassados queriam lhe dar quando pensaram em nos criar. Deus os abençoe e proteja.
Participação: Leila Ossola e Mirna Borella Bravo
Nossos agradecimentos a Marilene Bisatto Dorneles
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Exclusivo: entrevista com Frei Rovilio
Marcadores:
Cidadania italiana
Um comentário:
Eu li toda a entrevista saboreando cada palavra que foi dita pelo Frei Rovilio. Senti nela um amor e carinho nas entrelinhas, pelos nossos antepassados. Um carinho não só pelo que eles poderão nos dar ainda,como exemplo para quem procura a cidadania de um país, mas um grande amor e gratidão por tudo que eles nos deram , dentro de suas limitações e sacrifícios, por sua garra e coragem. Que Deus abençõe a todos nós.
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