Existe um terceiro lado da mesma moeda na discussão que envolve a demarcação contínua de 1,7 milhão de hectares no norte do Estado de Roraima e demarca a área como Terra Indígena Raposa/Serra do Sol: índios que são contrários à saída da região dos bancos que ali já vivem há algum tempo, mas que também não apóiam os produtores de arroz que ocupam as terras de reserva e não compartilham com eles a tecnologia e o maquinário necessários para tirar a riqueza da terra.Esses indígenas são representados pela Sodiu-RR (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima) que, segundo Silvestre Leocádio da Silva, assessor da entidade, fala pela voz de pelo menos 12 mil indígenas em todo o Estado de Roraima.
Silva fazia parte do CIR (Conselho Indígena de Roraima), mas deixou o grupo em 1989. "Foi quando eu percebi que já não era ouvido. E também vi que o que eles queriam ali já não era mais o que eu queria para o nosso povo", diz. "O CIR quer que o índio viva isolado, mas nos dias de hoje isso não existe mais. Nós temos que instrumentalizar o índio para que ele possa estar preparado para acompanhar o desenvolvimento de Roraima", defende Silva.
O índio macuxi de 58 anos rebate os números divulgados pelo CIR. Segundo ele, já não há mais 18 mil índios vivendo na área da Raposa Serra do Sol. "Se tiver 9 mil já é muito. Há povoados que desapareceram lá, o índio está vindo para a cidade, o índio de Roraima já é aculturado e não quer mais viver isolado", diz. Silva diz que levantamentos apontam que só na capital do Estado há 32 mil indígenas vivendo."Nós ficamos para trás porque sempre tivemos alguém falando por nós. Nunca nos deixaram falar. Há sempre um representante dos índios, alguém que se apresenta para defender os nossos interesses e que não nos quer pela frente", dispara. "Mas eu digo agora que plantadores de arroz e criadores de gado não nos atrapalham na Raposa Serra do Sol. Nós até precisamos deles, para que nos ensinem a cultivar e a criar."Segundo Silva, o que a Sodiu-RR defende é uma demarcação em ilhas que isole os produtores brancos e não os indígenas, e que haja entre as duas partes uma interação para que os índios possam também tirar proveito de suas terras. "As pessoas estão habituadas a dizer que a cultura do índio é de vivência, que ele vive para comer. O empresário não vive para comer, tira dinheiro da sua produção e o índio também quer isso."Da forma como o governo demarcou as terras da Raposa Serra do Sol, de acordo com o assessor da Sodiu-RR, em alguns anos a área ficará abandonada. Segundo ele, os índios jovens, que já sabem o que querem, não ficam nas malocas, migram para as cidades. "Prova disso é que já temos mais de 1.500 professores no Estado que são índios", diz. "E também esse investimento todo que a Funai diz que repassa aos índios não é verdadeiro. Dentro da Raposa Serra do Sol, dos cerca de 300 colégios que existem lá, 200 são do governo Estadual. Os remédios que nos chegam também vem do governo do Estado, não vejo um centavo da Funai ali dentro."A Sodiu-RR diz ter aplicado no ano passado R$ 1,8 milhão em projetos de auto sustentabilidade para as comunidades da Raposa Serra do Sol. Esta verba seria proveniente de incentivos do governo federal, conseguidos por meio de projetos apresentados pela instituição.Outra bandeira levantada por esta organização indígena é a construção de uma hidroelétrica na Cachoeira do Tamanduá, no Rio Cotingo, que fica dentro da Raposa Serra do Sol. "A região é propícia para a construção dessa usina, não vai matar ninguém, nem acabar com o rio como dizem por aí", diz Silva. "E seria uma forma de o índio ter a sua própria energia, sem ter que pagar a ninguém."O CIR é contra a construção da hidroelétrica no Rio Contingo. Em uma reunião realizada no fim do ano passado para discutir especificamente este assunto, lideranças se mostraram preocupadas com o andamento do Projeto de Decreto Legislativo nº 2540/06 de autoria do Senador Mozarildo Cavalcanti-RR, que trata de autorização do Congresso Nacional para construção da hidrelétrica no Rio Cotingo. "O rio é da nossa terra, todas as comunidades indígenas serão afetadas e as conseqüências da barragem vão além dos danos ambientais", alertou na época o Tuxaua Severiano, líder da aldeia Enseada. " Nós ainda nem resolvemos o problema da retirada dos invasores, como é que querem colocar outra invasão?", disse ele.Caso se mantenha a homologação da demarcação contínua da Raposa Serra do Sol, o assessor do Sodiu-RR garante que os "parentes" (como os índios se chamam) não vão entrar em atrito. "Brigar não vamos porque somos parentes, mas eu vou lutar para conseguir levar ao meu povo que está lá no meio da Serra do Sol o desenvolvimento que ele merece", diz Silva. "O índio não quer mais viver da caça e da pesca e por isso não queremos que nos dê aquela terra toda e nos fechem lá dentro para nos manterem isolados."
Carolina Juliano
Enviada Especial do UOL em Boa Vista (RR)
Colaboração Edeni Angelo Cereda
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