terça-feira, 17 de maio de 2011

Dramaturgo italiano fala sobre identidade e memória

Por María Zacco - Buenos Aires -  O poder da memória para definir o passado e construir a identidade pessoal e coletiva, é explorado na peça "Variações sobre o modelo de Kraepelin (ou O campo semântico dos coelhos na panela)", do dramaturgo italiano Davide Carnevali, se apresenta em Buenos Aires.

Carnevali, um dos talentos emergentes da Europa, que dará na capital argentina um seminário para dramaturgos no Teatro Nacional Cervantes, encena sua obra, baseada em um homem que sofre do mal de Alzheimer, em caráter de estreia internacional, com o apoio do Instituto Italiano de Cultura de Buenos Aires e o Teatro RES.

"O tema da memória me fascina. Saber de cor a denominação de algo, como definir um conceito, nos dá a ilusão de dominar o mundo que nos rodeia. Acho que tem a ver com a necessidade que todos temos de ordenar a realidade", disse Carnevali em entrevista à ANSA.

A peça, interpretada por Luis Marangón, Alberto Moscuzza e Giampaolo Samá, sob a direção da italiana Elisabetta Riva, estará em cartaz durante o mês de maio no espaço cultural Pata de Ganso (Zelaya 3122). Na primeira semana de agosto, as apresentações serão no Salão Dourado do Teatro Cervantes, no contexto da 19ª Exposição do Livro Teatral.

"Variações..." lida com o drama de um homem que sofre de Alzheimer e que se debate entre os fragmentos de lembranças e o esquecimento. Entre os retalhos de sua memória, surgem em momentos diferentes a guerra, a juventude e o sofrimento.

Este homem, seu filho e um médico alinhavam, em um discurso muito particular, feito de frases assépticas, as possibilidades infinitas em que pode delinear-se a própria identidade e a coletiva.

O título se refere a Emil Kraepelin, psiquiatra alemão, que, junto com seu colega Alois Alzheimer, descobriu em princípios do século XX a forma de demência que hoje conhecemos como mal de Alzheimer.

"O texto não trata dessa doença, mas sobre a memória, entendida como 'possibilidade de definir o passado'", disse o dramaturgo italiano. A obra contesta a possibilidade de reconstruir a história pessoal de um homem que está perdendo o curso de sua própria vida; e também a história coletiva de um país que, na memória de suas guerras e nas mudanças políticas atuais ainda busca definir a si mesmo.

Carnevali disse que a ideia de escrever uma peça sobre a questão da memória e o passado, através da doença, surgir a partir de várias questões.

"Em primeiro lugar, a partir de uma vivência direta com meu avô materno, que há alguns anos começou a sofrer de uma forma aguda de demência senil", disse ele. Enquanto isso acontecia, o dramaturgo estava de mudança para Berlim, capital alemã, uma cidade onde "ainda podemos reconhecer as marcas físicas do que foi o século XX na Europa".

Os últimos retoques de "Variações..." se relacionam com a pesquisa de Carnevali para o seu doutorado sobre Teoria do Teatro, baseada na relação entre forma e conteúdo. "Pensei que se eu quisesse falar sobre como a memória se fragmenta, a melhor maneira seria fragmentar o texto. Por isso, as cenas não seguem uma ordem precisa, mas são um jogo de variações", explicou.

Os pontos de encontro entre a memória individual e coletiva ocorrem "porque a identidade de um indivíduo, como a de uma nação, se estruturam na capacidade de lembrar".

"As histórias pessoais sempre se cruzam com a história coletiva. A questão da guerra continua sendo uma constante nas histórias de meus avós. A história da Europa sempre foi a de divisões e lutas que mudaram a geopolítica e os nomes dos povos", disse Carnevali.

A bem sucedida encenação, a cargo de Aliberto Sagretti - que trabalhou com os cineastas Peter Greenaway e Roman Polanski, entre outros - usa elementos multimídia e joga com a iluminação para que o espectador possa perceber, alternadamente, a presença ou a ausência "física" da memória.

Este ponto é fundamental na concepção do dramaturgo italiano, uma vez que, em sua opinião, "a falta de memória crítica de um país é também uma doença grave".

"Muitos países, como Argentina e Espanha, onde apresento meu trabalho, estão vivendo uma etapa fundamental de sua história na revisão de seu passado. Abrir os olhos é um ato importante e corajoso. Mais importante ainda, é falar sobre o que aconteceu. Serve para transformar as estórias em História, para que os contos individuais adquiram o status de consciência coletiva", opinou ele.

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