Dentre as muitas lendas sobre a origem da Colomba Pasquale, uma delas
diz que o bolo em forma de pomba, simbolizando a paz, impediu a invsão
da cidade Pavía, no norte da Itália
A Itália é, sem dúvida, um país religioso e
principalmente os ritos católicos têm um papel muito importante na vida
do seu povo. Nem poderia ser diferente: são séculos de tradição desde
que Roma passou a ser a sede da Igreja Católica. Até hoje,memórias daqueles tempos nos assaltam quando, por exemplo, caminhamos pelas pedras do calçamento da Via Appia Antica ou visitamos as suas catacumbas. É impossível ignorar esse passado!
A Páscoa na Itália é um momento de grandes comemorações quando o sagrado, o profano e o folclore se misturam. É neste momento que a Paixão
e Ressurreição de Cristo se mesclaram com antigos ritos pagãos de
chegada da primavera, celebrando vida e fartura. Esta complexa trama de
heranças culturais e raças deu origem ao que hoje conhecemos como
Itália.
A Páscoa italiana não termina no domingo: a segunda-feira, pasquetta,
é feriado e a tradição recomenda piqueniques, passeios pelo centro da
cidade, visitas a pontos turísticos e reuniões familiares. Este é o
ápice das celebrações de chegada da primavera.
Conta a tradição que os antigos romanos já comemoravam no período da
Páscoa um culto à fertilidade. As crianças tinham que procurar ovos
escondidos em suas casas e recebiam doces como prêmio, costume bem comum
entre nós até bem pouco tempo atrás. Promoviam também a ”rolagem”, uma
espécie de gincana, vencida por quem rolasse mais ovos sem quebrar
percorrendo a maior distância.
Hoje em Roma as comemorações são bem diferentes. A solenidade e a austeridade da liturgia da Páscoa se desenrolam no Vaticano,
com suas cerimônias, procissões e a missa festiva oficiada pelo Papa e
acompanhada por milhares de peregrinos do mundo inteiro. A apoteose das
celebrações da Semana Santa é a benção anual Urbi et Orbi, na Praça de São Pedro.
Mas, passada a dor e a tristeza da Paixão, como os romanos de hoje festejam a ressurreição?
Aqui entra o outro lado italiano mais prosaico, mas não menos
espetacular: o comer bem! O domingo de Páscoa começa com o café da manhã
especial que representa a primeiro alimento substancioso depois dos 40
dias de jejum da quaresma – cada vez menos obedecidos. É o squaglio
bebida quente à base de chocolate amargo ao qual, hoje, a modernidade
acrescentou creme chantilly. Mais revigorados depois do longo período
que, se supõe de jejum, eles se preparam para o almoço e aí desponta
como protagonista absoluto o mais que famoso abbachio (cordeirinho) preparado de várias maneiras, precedido de antepastos, um primo piato (primeiro prato), seguido de vários tipos de queijo, frutas, chocolates e a imprescindível colomba pascal, tudo regado a excelentes vinhos! São almoços que chegam a durar três horas com as famílias reunidas em torno da grande tavolata (uma mesa de almoço ou jantar festivo com muita gente).
A propósito, qual a origem da Colomba Pasquale? São várias as
versões, mas parece que a mais verossímil conta que a cidade de Pavía,
no norte da Itália, estava para ser saqueada no século 6 pelos soldados
de Alboino, rei dos Lombardos. Apavorado com esta perspectiva, um
padeiro da cidade resolveu fazer um bolo em forma de pomba –
simbolizando a paz e com ele presenteou os invasores, que gostaram tanto
da iguaria que decidiram poupar a cidade.
Mais uma prova do quanto a comida faz parte da história da Itália e da vida dos italianos!
Encastelada nas montanhas Dolomitas, no extremo norte da Itália, em Val
Gardena uma antiga tradição até hoje faz parte das comemorações da
Páscoa, chamada Ji a ueves no dialeto local.
Na pequena vila, no dia 19 de março—dia de São José, os solteiros da
cidade vão à casa das solteiras e encomendam ovos pintados que depois
irão recolher na segunda feira de Páscoa. Se algum deles interessar a
uma das solteiras, ela pintará o ovo diferente de todos os outros, para
que o pretendente saiba que é correspondido. Os ovos que não forem
entregues não poderão ser comidos e devem ser enterrados sob a neve que
nesta época do ano ainda cobre toda a região. Mais tarde, com a chegada
da primavera, e a neve derretendo a criançada se diverte encontrando os
ovos que não cumpriram a missão de juntar dois apaixonados!
No coração da Itália existe uma curiosíssima comemoração pascal: na
Piazza del Duomo de Florença a população se reúne, especialmente os
camponeses de toda a região e um grande número de turistas. O clima é de
festa enquanto se aguarda a chegada de um carrinho, puxado por quatro
bois brancos, enfeitados com flores e adereços coloridos, e acompanhado
de um grande cortejo.
O espetáculo vai começar! Os bois são desatrelados e o carrinho, posicionado entre o Batistério e a Catedral,
está carregado de pólvora e é ligado por uma corda à igreja, de onde é
disparada uma fagulha em forma de pomba, que chegando até o carro,
provoca uma explosão.
É o Scoppio del Carro (explosão do carro) que
se mantém praticamente inalterado desde a época da primeira Cruzada, no
ano de 1007, para comemorar a entrada do primeiro cristão em Jerusalém, justamente um florentino: Pazzino de’ Pazzi.
A partir do século 15 a comemoração assumiu o aspecto atual e nela
existe um sentido quase pagão, pois representa também, especialmente
para os camponeses, um rito de oferenda pela fertilidade, pela chegada
da primavera e para garantir uma boa colheita.
Depois da queima do carro, os florentinos costumam tomar o chamado Vin Santo (vinho santo) tradicional em toda a Toscana, acompanhando os famosos Cantuccini,
biscoitos de amêndoas embebidos no doce vinho, chamado de santo, porque
as uvas, colhidas há quatro meses e postas para secar, estão prontas
para vinificar em março, próximo à Páscoa.
A cidade aos pés do Vesúvio, no sul da Itália, além das procissões e festejos do domingo da Páscoa é a conhecida por ter criado a conhecida Pastiera di Grano. Esta
torta à base de trigo, ricota açúcar e ovos, confeccionada seguindo
tradições ancestrais, é obrigatória em todas as casas napolitanas e,
segundo as lendas, já era saboreada nas festas pagãs de primavera.
Também de Nápoles veio a Torta Pasqualina, hoje difundida por todas as regiões do país, na qual ovos inteiros são assados junto com a massa e o recheio da torta.
CHIETI
A pequena cidade na região dos Abruzzi, no alto de uma colina de onde
se descortina um visual de tirar o fôlego, é uma das mais antigas
cidades da Itália. Diz a lenda que teria sido fundada por Aquiles em
1118 a.C.! Haja história e tradições!
Uma delas que se repete há séculos é a procissão dos Incappucciati (encapuzados) que lembra, e muito, as manifestações da Ku Klux Klan!
Homens inteiramente cobertos por um capuz e uma capa como sinal de
humildade – uma herança da época em que poderosos patrões e simples
camponeses eram momentaneamente iguais -, desfilam lentamente pelas ruas
estreitas do centro histórico ao som da triste música sacra. A lúgubre
procissão à luz de tochas é uma imagem impressionante.
No domingo de Páscoa a cidade se veste de cores como contraponto ao luto da sexta-feira.
Cannoli, doce típico siciliano - Crédito: Thinkstock
CALTANISSETA
Em Caltanisseta, na Sicília, considerada a mais passional região italiana, a Real Maestranza, a procissão do Cristo negro da Sexta-feira Santa, é conduzida pelos fogliamari – colecionadores e vendedores de ervas selvagens, cantando lamentos em dialeto arcaico. Estes são seguidos pelas diversas maestranzas (antigas corporações de artes e ofícios), todos vestidos de preto em sinal de luto.
No domingo reina a alegria, que se expressa em abundantes almoços com
uma rica variedade de massas - graças à abundância de trigo na região.
Destaque para os cavateddi, feitos simplesmente de farinha de trigo e água, mas regados com suculentos molhos de agnello (cordeiro), deliciosas pizzas com muito azeite, cebolas e anchovas. De sobremesa o clássico torrone, com mel, amêndoas ou pistache.
TRAPANI
Trapani, a cidade que se estira pela costa da Sicília, fundada por gregos e utilizada como porto comercial pelos fenícios. Aqui ocorre outra grande procissão: os Misteri
(Mistérios), na qual são carregados enormes e pesadíssimos troncos. Ao
longo do trajeto são realizadas paradas nas estações da via-crúcis com a
finalidade de pedir proteção e afastar o malocchio (mau olhado), tudo acompanhado pela população com comovente fervor.
No domingo, passado o luto, a cidade é outra: as ruas, os bares e
cafeterias estão cheios de gente alegre e por onde se passa o perfume
irresistível das iguarias anuncia o almoço. Os variados pratos
principais são à base de cordeiro, ovos e massas. Já os famosos doces
sicilianos, destacam-se os feitos com pasta de amêndoas como o pupo cu’ ova (ave
com ovos, no dialeto siciliano) e uma enorme variedade de biscoitos,
enfeitados com confeitos coloridos. Isso sem esquecer, é claro, os
deliciosos cannoli siciliani. O ovo como símbolo de renascimento e vida é a grande estrela da culinária nesta época.
Não se esgota aqui o repertório de curiosidades da Páscoa italiana.
Praticamente cada cidade, mesmo em uma mesma região, tem distintas
tradições e comemorações. Todavia, sem dúvida, todas são ricas em
religiosidade, tradições, simbolismos, história e lendas. É o amálgama
de tudo isto que retrata a italianidade.
Muitas destas tradições chegaram até nós com os imigrantes que aqui
aportaram a partir de 1875, e algumas se mantém até hoje, nas regiões
por eles colonizadas.
Veja aqui a galeria com fotos de como é a Páscoa na Itália.
por Beatriz Convertino
Fonte: viajeaqui
http://viajeaqui.abril.com.br
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