sexta-feira, 29 de março de 2013

Como é a Páscoa na Itália

 
 

Colomba pascuale 
 
Dentre as muitas lendas sobre a origem da Colomba Pasquale, uma delas diz que o bolo em forma de pomba, simbolizando a paz, impediu a invsão da cidade Pavía, no norte da Itália 

A Itália é, sem dúvida, um país religioso e principalmente os ritos católicos têm um papel muito importante na vida do seu povo. Nem poderia ser diferente: são séculos de tradição desde que Roma passou a ser a sede da Igreja Católica. Até hoje,memórias daqueles tempos nos assaltam quando, por exemplo, caminhamos pelas pedras do calçamento da Via Appia Antica ou visitamos as suas catacumbas. É impossível ignorar esse passado!

A Páscoa na Itália é um momento de grandes comemorações quando o sagrado, o profano e o folclore se misturam. É neste momento que a Paixão e Ressurreição de Cristo se mesclaram com antigos ritos pagãos de chegada da primavera, celebrando vida e fartura. Esta complexa trama de heranças culturais e raças deu origem ao que hoje conhecemos como Itália.

A Páscoa italiana não termina no domingo: a segunda-feira, pasquetta, é feriado e a tradição recomenda piqueniques, passeios pelo centro da cidade, visitas a pontos turísticos e reuniões familiares. Este é o ápice das celebrações de chegada da primavera.

Conta a tradição que os antigos romanos já comemoravam no período da Páscoa um culto à fertilidade. As crianças tinham que procurar ovos escondidos em suas casas e recebiam doces como prêmio, costume bem comum entre nós até bem pouco tempo atrás. Promoviam também a ”rolagem”, uma espécie de gincana, vencida por quem rolasse mais ovos sem quebrar percorrendo a maior distância.

Hoje em Roma as comemorações são bem diferentes. A solenidade e a austeridade da liturgia da Páscoa se desenrolam no Vaticano, com suas cerimônias, procissões e a missa festiva oficiada pelo Papa e acompanhada por milhares de peregrinos do mundo inteiro. A apoteose das celebrações da Semana Santa é a benção anual Urbi et Orbi, na Praça de São Pedro.

Mas, passada a dor e a tristeza da Paixão, como os romanos de hoje festejam a ressurreição?

Aqui entra o outro lado italiano mais prosaico, mas não menos espetacular: o comer bem! O domingo de Páscoa começa com o café da manhã especial que representa a primeiro alimento substancioso depois dos 40 dias de jejum da quaresma – cada vez menos obedecidos. É o squaglio bebida quente à base de chocolate amargo ao qual, hoje, a modernidade acrescentou creme chantilly. Mais revigorados depois do longo período que, se supõe de jejum, eles se preparam para o almoço e aí desponta como protagonista absoluto o mais que famoso abbachio (cordeirinho) preparado de várias maneiras, precedido de antepastos, um primo piato (primeiro prato), seguido de vários tipos de queijo, frutas, chocolates e a imprescindível colomba pascal, tudo regado a excelentes vinhos! São almoços que chegam a durar três horas com as famílias reunidas em torno da grande tavolata (uma mesa de almoço ou jantar festivo com muita gente).

A propósito, qual a origem da Colomba Pasquale? São várias as versões, mas parece que a mais verossímil conta que a cidade de Pavía, no norte da Itália, estava para ser saqueada no século 6 pelos soldados de Alboino, rei dos Lombardos. Apavorado com esta perspectiva, um padeiro da cidade resolveu fazer um bolo em forma de pomba – simbolizando a paz e com ele presenteou os invasores, que gostaram tanto da iguaria que decidiram poupar a cidade.

Mais uma prova do quanto a comida faz parte da história da Itália e da vida dos italianos!

Encastelada nas montanhas Dolomitas, no extremo norte da Itália, em Val Gardena uma antiga tradição até hoje faz parte das comemorações da Páscoa, chamada Ji a ueves no dialeto local.

Na pequena vila, no dia 19 de março—dia de São José, os solteiros da cidade vão à casa das solteiras e encomendam ovos pintados que depois irão recolher na segunda feira de Páscoa. Se algum deles interessar a uma das solteiras, ela pintará o ovo diferente de todos os outros, para que o pretendente saiba que é correspondido. Os ovos que não forem entregues não poderão ser comidos e devem ser enterrados sob a neve que nesta época do ano ainda cobre toda a região. Mais tarde, com a chegada da primavera, e a neve derretendo a criançada se diverte encontrando os ovos que não cumpriram a missão de juntar dois apaixonados!

No coração da Itália existe uma curiosíssima comemoração pascal: na Piazza del Duomo de Florença a população se reúne, especialmente os camponeses de toda a região e um grande número de turistas. O clima é de festa enquanto se aguarda a chegada de um carrinho, puxado por quatro bois brancos, enfeitados com flores e adereços coloridos, e acompanhado de um grande cortejo.

O espetáculo vai começar! Os bois são desatrelados e o carrinho, posicionado entre o Batistério e a Catedral, está carregado de pólvora e é ligado por uma corda à igreja, de onde é disparada uma fagulha em forma de pomba, que chegando até o carro, provoca uma explosão.

É o Scoppio del Carro (explosão do carro) que se mantém praticamente inalterado desde a época da primeira Cruzada, no ano de 1007, para comemorar a entrada do primeiro cristão em Jerusalém, justamente um florentino: Pazzino de’ Pazzi.

A partir do século 15 a comemoração assumiu o aspecto atual e nela existe um sentido quase pagão, pois representa também, especialmente para os camponeses, um rito de oferenda pela fertilidade, pela chegada da primavera e para garantir uma boa colheita.

Depois da queima do carro, os florentinos costumam tomar o chamado Vin Santo (vinho santo) tradicional em toda a Toscana, acompanhando os famosos Cantuccini, biscoitos de amêndoas embebidos no doce vinho, chamado de santo, porque as uvas, colhidas há quatro meses e postas para secar, estão prontas para vinificar em março, próximo à Páscoa.


Pastiera napolitana
A Pastiera di Grano é uma torta à base de trigo, ricota, açúcar e ovos bastante comum na cidade de Nápoles - Crédito: Thinkstock

A cidade aos pés do Vesúvio, no sul da Itália, além das procissões e festejos do domingo da Páscoa é a conhecida por ter criado a conhecida Pastiera di Grano. Esta torta à base de trigo, ricota açúcar e ovos, confeccionada seguindo tradições ancestrais, é obrigatória em todas as casas napolitanas e, segundo as lendas, já era saboreada nas festas pagãs de primavera.

Também de Nápoles veio a Torta Pasqualina, hoje difundida por todas as regiões do país, na qual ovos inteiros são assados junto com a massa e o recheio da torta.

CHIETI
A pequena cidade na região dos Abruzzi, no alto de uma colina de onde se descortina um visual de tirar o fôlego, é uma das mais antigas cidades da Itália. Diz a lenda que teria sido fundada por Aquiles em 1118 a.C.! Haja história e tradições!

Uma delas que se repete há séculos é a procissão dos Incappucciati (encapuzados) que lembra, e muito, as manifestações da Ku Klux Klan!

Homens inteiramente cobertos por um capuz e uma capa como sinal de humildade – uma herança da época em que poderosos patrões e simples camponeses eram momentaneamente iguais -, desfilam lentamente pelas ruas estreitas do centro histórico ao som da triste música sacra. A lúgubre procissão à luz de tochas é uma imagem impressionante.

No domingo de Páscoa a cidade se veste de cores como contraponto ao luto da sexta-feira.


Cannoli siciliani
Cannoli, doce típico siciliano - Crédito: Thinkstock

CALTANISSETA
Em Caltanisseta, na Sicília, considerada a mais passional região italiana, a Real Maestranza, a procissão do Cristo negro da Sexta-feira Santa, é conduzida pelos fogliamari – colecionadores e vendedores de ervas selvagens, cantando lamentos em dialeto arcaico. Estes são seguidos pelas diversas maestranzas (antigas corporações de artes e ofícios), todos vestidos de preto em sinal de luto.

No domingo reina a alegria, que se expressa em abundantes almoços com uma rica variedade de massas - graças à abundância de trigo na região. Destaque para os cavateddi, feitos simplesmente de farinha de trigo e água, mas regados com suculentos molhos de agnello (cordeiro), deliciosas pizzas com muito azeite, cebolas e anchovas. De sobremesa o clássico torrone, com mel, amêndoas ou pistache.

TRAPANI
Trapani, a cidade que se estira pela costa da Sicília, fundada por gregos e utilizada como porto comercial pelos fenícios. Aqui ocorre outra grande procissão: os Misteri (Mistérios), na qual são carregados enormes e pesadíssimos troncos. Ao longo do trajeto são realizadas paradas nas estações da via-crúcis com a finalidade de pedir proteção e afastar o malocchio (mau olhado), tudo acompanhado pela população com comovente fervor.

No domingo, passado o luto, a cidade é outra: as ruas, os bares e cafeterias estão cheios de gente alegre e por onde se passa o perfume irresistível das iguarias anuncia o almoço. Os variados pratos principais são à base de cordeiro, ovos e massas. Já os famosos doces sicilianos, destacam-se os feitos com pasta de amêndoas como o pupo cu’ ova (ave com ovos, no dialeto siciliano) e uma enorme variedade de biscoitos, enfeitados com confeitos coloridos. Isso sem esquecer, é claro, os deliciosos cannoli siciliani. O ovo como símbolo de renascimento e vida é a grande estrela da culinária nesta época.

Não se esgota aqui o repertório de curiosidades da Páscoa italiana. Praticamente cada cidade, mesmo em uma mesma região, tem distintas tradições e comemorações. Todavia, sem dúvida, todas são ricas em religiosidade, tradições, simbolismos, história e lendas. É o amálgama de tudo isto que retrata a italianidade.
Muitas destas tradições chegaram até nós com os imigrantes que aqui aportaram a partir de 1875, e algumas se mantém até hoje, nas regiões por eles colonizadas.

Veja aqui a galeria com fotos de como é a Páscoa na Itália.


por Beatriz Convertino 
 Fonte: viajeaqui
http://viajeaqui.abril.com.br
 

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