Time do Palestra Itália em 1933 (foto: Ansa)
Por Pedro Proença SÃO PAULO - É difícil imaginar o futebol da Itália sem
brasileiros. O scudetto da temporada 1955/1956 ficaria com a Fiorentina
sem o ponta Julinho Botelho? Quem sabe se a Roma teria vencido o
Campeonato Italiano da temporada 1982/1983 sem Falcão voando nos
gramados? Teria o Milan vencido a Liga dos Campeões da temporada
2006/2007 sem as arrancadas de Kaká? A defesa do Inter da tríplice coroa
na temporada 2009/2010 seria tão sólida sem Julio César, Maicon e
Lúcio? A resposta para todas essas perguntas tende a ser um "não". Os
brasileiros são parte importante e fundamental na história do futebol
italiano. O que poucos sabem é que, em igual medida, é impossível pensar
no futebol brasileiro sem a presença dos italianos. Porém, de um modo
diferente. A Itália não cedeu craques que atuaram como comandantes de
esquadrões, mas centenas de imigrantes que vieram trabalhar como mão de
obra no Brasil. Entre 1870 e 1920, cerca de 1,4 milhão de italianos
vieram para o país. Eles corresponderam a 42% dos imigrantes dos 3,3
milhões de imigrantes que chegaram ao Brasil entre o fim do século XIX e
o início do XX. A primeira leva de imigrantes, portanto, veio quando a
unificação italiana ainda era demasiado recente. Não havia o conceito de
Itália; as pessoas se definiam de acordo com a região em que nasceram,
ou seja, como "napolitanos", parmesãos", "calabreses", entre outras.
Ainda bastante regionalizados, os imigrantes italianos (ou peninsulares -
uma vez que a ideia da nação italiana ainda era demasiado vaga) se
organizaram em bairros como o Bexiga, Bom Retiro, a Barra Funda, entre
outros. "As divisões dos bairros eram como um microcosmo da própria
Itália dividida. Pois vinha um imigrante, ele trabalhava um tempo,
juntava algum dinheiro e então trazia amigos e parentes, que tentavam
morar perto de quem lhes trouxera para o Brasil. Com isso, ainda se
mantinha muito forte a ideia do clã familiar", explica a historiadora da
USP Diana Mendes Machado da Silva, que estudou o caso do Anhanguera, um
clube de ítalos-descendentes da Barra Funda. Com o tempo, começaram a
surgir clubes de ítalos-descendentes, que, assim, como os bairros,
refletiam as divisões da Itália. Em muitos desses clubes, além do
futebol, se praticavam jogos de carteado típicos da Bota, como a Morra e
a Passatella, e outras modalidades lúdico-esportivas, como a bocha.
"Esses clubes atraíam toda a família, eram clubes sociais e foram
fundamentais no processo de enraizamento dos italianos no Brasil. Era um
espaço no qual podiam manter suas tradições e tornar menos brusco o
choque da mudança. Por outro lado, tendiam a ser instituições muito
fechadas", analisa Diana. Diante de dezenas de clubes de bairro ou da
várzea, a primeira instituição de origem italiana não-fechada de que se
tem notícia foi o Palestra Itália, hoje Palmeiras. O clube se sobrepôs
às divisões regionais da Itália refletidas nos bairros para dar aos
imigrantes a ideia de que eles pertenciam a uma mesma pátria: a Itála.
"O Palestra vai criar essa idiea de que há uma pátria italiana, ele
nasceu querendo ser o clube dos italianos de São Paulo. É, em sua
origem, um clube de massa. Essa é a tese que defendo", afirma o
sociólogo e professor da USP José Renato Araújo, autor do livro
"Imigração e Futebol - O Caso Palestra Itália". Em 1942, na época do
Estado Novo, como o Brasil entrara na Segunda Guerra Mundial ao lado dos
Estados Unidos, o Palestra Itália foi obrigado a mudar de nome e se
tornou o Palmeiras.
"Hoje, devido a décadas de difusão do futebol você tem uma torcida palmeirense muito heterogênea - e não apenas mais como o clube dos italianos ou dos ítalos-descendentes, mas essa ligação com a Itália é importante para o clube ter a ideia de um mito de origem, algo que o distinga de seus inimigos", explica José Renato. Não foi apenas em São Paulo que processos dessa natureza aconteceram. O Cruzeiro, de Belo Horizonte, também nasceu como Palestra Itália, o Juventude, de Caxias do Sul, teve italianos e descendentes de italianos em sua fundação.
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