sábado, 6 de dezembro de 2014

Os lugares do planeta que não estão no mapa



Em 1504, um cartógrafo anônimo, provavelmente italiano, criou um mapa-múndi com todas as terras que se conhecia na época. Em uma parte ainda não explorada do planeta, ele colocou uma legenda em latim: "Hic Sunt Dracones" ("Os dragões estão aqui").
No mundo moderno, é possível dizer com alguma convicção que não existe nenhum mapa da Terra que indique a localização de dragões. Mas não é possível dizer que todo o planeta foi mapeado. Ainda existem muitas áreas que estão incompletas e imprecisas na nossa cartografia.
Os mapas já são tendenciosos por natureza. Eles sempre tendem a dar proeminência aos interesses de quem os elabora. O mapa mais antigo do mundo, de 2,5 mil anos, coloca no seu centro a Babilônia - o império onde foi confeccionado. Ainda hoje, mapas americanos centralizam os Estados Unidos, e o mesmo acontece com mapas japoneses e chineses. Alguns mapas austalianos chegam a colocar o hemisfério sul no topo.
Para minimizar conflitos, as Nações Unidas adotam em seu símbolo um mapa cujo centro é o Polo Norte.
Ainda hoje, os mapas seguem refletindo muito de quem os desenha. Segundo Jerry Brotton, professor de estudos da Renascença na Queen Mary University de Londres, e Google e outros criadores de mapas digitais transformaram o mundo em "um grande navegador de internet", que reflete seus interesses comerciais.
Mas Manik Gupta, gerente de produtos do Google Maps, diz que o objetivo principal do Google Maps reflete o da empresa: de organizar a informação no mundo e torná-la universalmente acessível e útil. O comércio apenas faria parte disso. "No final, a tecnologia é apenas uma ferramenta", diz Gupta. "Nosso trabalho é ter certeza de que ela funciona e é precisa. Os usuários é que dedidem como usá-la".
Mesmo os mapas digitais, entretanto, tendem a ser mais precisos nas áreas que interessam mais aos usuários. Comunidades pobres, como a favela Orangi em Karachi, no Paquistão, ou a favela Neza-Chalco-Itza, na Cidade do México, estão mal representadas nos mapas. Sobre outras, a que se tem pouco acesso, como a Coreia do Norte e alguns países de guerra, não se possui quase nenhuma informação.
Google Maps é hoje um dos mapas mais consultados do mundo
Isso faz com que regiões remotas que eram mal representadas nos mapas sejam ignoradas por anos. Recentemente cientistas tentaram visitar a ilha Sandy, um pequeno pedaço de terra na Nova Caledônia, no meio do Pacífico, e acabaram descobrindo que a ilhota sequer existe.
A ilha "fantasma" aparece há uma década nos mapas australianos e até no Google Earth, mas provavelmente devido a um erro humano.
A Google tem duas estratégias para lidar com esses problemas. Uma delas é enviar cartógrafos para esses lugares remotos com mochilas equipadas com a câmera usada pelo seu sistema Street View. As pessoas viajam de motocicleta, barco ou snowmobile para atingir o local.
Outra medida foi lançar em 2008 o Map Maker, uma ferramenta que estimula a contribuição de qualquer pessoa ao sistema de mapas da empresa.
"Se algo importante é descoberto, é mais provável que quem vai botar isso no mapa são os usuários", diz Manik Gupta.
Alguns lugares nunca foram colocados no mapa por ninguém - nem no Google ou em mapas de papel. É o caso de muitas favelas do Rio de Janeiro ou da favela de Maloko, em Lagos, na Nigéria.
Em lugares como favelas, nunca houve um grande esforço para mapear áreas
"São lugares que o Estado renega ou que não querem ter partes de sua paisagem mapeadas", diz Alexander Kent, que é professor de geografia da universidade britânica Canterbury Christ Church. "Longe de ser algo que só representa objetivamente o que está no solo, a pessoa que faz o mapa tem o poder de influir no que acontece ou não acontece no local."
Diante desse problema, três entidades - a Cruz Vermelha, a Médicos Sem Fronteiras e a Humanitarian OpenStreetMap Team - lançou o projeto Missing Maps, que recruta voluntários para preencher vazios cartográficos em países em desenvolvimento.
Ainda é cedo demais para se avaliar o sucesso da iniciativa, mas as entidades estão promovendo o projeto com lançamentos em Londres e em Jacarta, na Indonésia.
Litoral do Planeta muda rápido demais para mapas conseguirem acompanhar
Outra região pouco conhecida é o oceano. O potencial de mineração e extração de petróleo faz com que muitos países, em especial a Rússia, tenham interesse em mapear o fundo do mar.
Jerry Brotton, da Queen Mary University, e o artista Adam Lowe, estão criando um mapa 3D do fundo do mar, sem água, para chamar atenção para essa nova fronteira da cartografia.
"Na medida em que o planeta muda, aumentam as possibilidades de se explorar recursos minerais em outros lugares, e a cartografia vira algo importante e poderoso."
Mudanças climáticas são um desafio para quem mapeia o mundo
Um desafio para todos os que estão nesse negócio é a velocidade acelerada das mudanças - tanto na natureza como no ambiente controlado pela humanidade.
Algumas cidades na Ásia e na África estão crescendo tão rapidamente que nem o Google Maps consegue acompanhar.
"No momento que você termina de fazer o mapa perfeito de um lugar, ele já está desatualizado. O mundo real está sempre um pouco na nossa frente, porque a mudança não para", diz Gupta.

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