Em 1504, um cartógrafo anônimo, provavelmente italiano, criou um mapa-múndi com todas as terras que se conhecia na época. Em uma parte ainda não explorada do planeta, ele colocou uma legenda em latim: "Hic Sunt Dracones" ("Os dragões estão aqui").
No mundo moderno, é possível dizer com alguma convicção que não existe nenhum mapa da Terra que indique a localização de dragões. Mas não é possível dizer que todo o planeta foi mapeado. Ainda existem muitas áreas que estão incompletas e imprecisas na nossa cartografia.
Os mapas já são tendenciosos por natureza. Eles sempre tendem a dar proeminência aos interesses de quem os elabora. O mapa mais antigo do mundo, de 2,5 mil anos, coloca no seu centro a Babilônia - o império onde foi confeccionado. Ainda hoje, mapas americanos centralizam os Estados Unidos, e o mesmo acontece com mapas japoneses e chineses. Alguns mapas austalianos chegam a colocar o hemisfério sul no topo.
Para minimizar conflitos, as Nações Unidas adotam em seu símbolo um mapa cujo centro é o Polo Norte.
Ainda hoje, os mapas seguem refletindo muito de quem os desenha. Segundo Jerry Brotton, professor de estudos da Renascença na Queen Mary University de Londres, e Google e outros criadores de mapas digitais transformaram o mundo em "um grande navegador de internet", que reflete seus interesses comerciais.
Mas Manik Gupta, gerente de produtos do Google Maps, diz que o objetivo principal do Google Maps reflete o da empresa: de organizar a informação no mundo e torná-la universalmente acessível e útil. O comércio apenas faria parte disso. "No final, a tecnologia é apenas uma ferramenta", diz Gupta. "Nosso trabalho é ter certeza de que ela funciona e é precisa. Os usuários é que dedidem como usá-la".
Mesmo os mapas digitais, entretanto, tendem a ser mais precisos nas áreas que interessam mais aos usuários. Comunidades pobres, como a favela Orangi em Karachi, no Paquistão, ou a favela Neza-Chalco-Itza, na Cidade do México, estão mal representadas nos mapas. Sobre outras, a que se tem pouco acesso, como a Coreia do Norte e alguns países de guerra, não se possui quase nenhuma informação.
Isso faz com que regiões remotas que eram mal representadas nos mapas sejam ignoradas por anos. Recentemente cientistas tentaram visitar a ilha Sandy, um pequeno pedaço de terra na Nova Caledônia, no meio do Pacífico, e acabaram descobrindo que a ilhota sequer existe.
A ilha "fantasma" aparece há uma década nos mapas australianos e até no Google Earth, mas provavelmente devido a um erro humano.
A Google tem duas estratégias para lidar com esses problemas. Uma delas é enviar cartógrafos para esses lugares remotos com mochilas equipadas com a câmera usada pelo seu sistema Street View. As pessoas viajam de motocicleta, barco ou snowmobile para atingir o local.
Outra medida foi lançar em 2008 o Map Maker, uma ferramenta que estimula a contribuição de qualquer pessoa ao sistema de mapas da empresa.
"Se algo importante é descoberto, é mais provável que quem vai botar isso no mapa são os usuários", diz Manik Gupta.
Alguns lugares nunca foram colocados no mapa por ninguém - nem no Google ou em mapas de papel. É o caso de muitas favelas do Rio de Janeiro ou da favela de Maloko, em Lagos, na Nigéria.
"São lugares que o Estado renega ou que não querem ter partes de sua paisagem mapeadas", diz Alexander Kent, que é professor de geografia da universidade britânica Canterbury Christ Church. "Longe de ser algo que só representa objetivamente o que está no solo, a pessoa que faz o mapa tem o poder de influir no que acontece ou não acontece no local."
Diante desse problema, três entidades - a Cruz Vermelha, a Médicos Sem Fronteiras e a Humanitarian OpenStreetMap Team - lançou o projeto Missing Maps, que recruta voluntários para preencher vazios cartográficos em países em desenvolvimento.
Ainda é cedo demais para se avaliar o sucesso da iniciativa, mas as entidades estão promovendo o projeto com lançamentos em Londres e em Jacarta, na Indonésia.
Outra região pouco conhecida é o oceano. O potencial de mineração e extração de petróleo faz com que muitos países, em especial a Rússia, tenham interesse em mapear o fundo do mar.
Jerry Brotton, da Queen Mary University, e o artista Adam Lowe, estão criando um mapa 3D do fundo do mar, sem água, para chamar atenção para essa nova fronteira da cartografia.
"Na medida em que o planeta muda, aumentam as possibilidades de se explorar recursos minerais em outros lugares, e a cartografia vira algo importante e poderoso."
Um desafio para todos os que estão nesse negócio é a velocidade acelerada das mudanças - tanto na natureza como no ambiente controlado pela humanidade.
Algumas cidades na Ásia e na África estão crescendo tão rapidamente que nem o Google Maps consegue acompanhar.
"No momento que você termina de fazer o mapa perfeito de um lugar, ele já está desatualizado. O mundo real está sempre um pouco na nossa frente, porque a mudança não para", diz Gupta.
Leia a versão original desta reportagem em inglês no site BBC Future.
Nenhum comentário:
Postar um comentário