sábado, 19 de dezembro de 2015

"Você era um estranho e o Brasil o acolheu"

De 1883 a 1966, a Hospedaria da Ilha das Flores, em São Gonçalo, recebeu milhares de imigrantes que chegavam ao Brasil. Hoje um museu a céu aberto, o espaço convida à reflexão sobre como recepcionamos os que migram para o Brasil. [Foto: Refeitório da Ilha das Flores, sem data. Coleção Leopoldino Brasil, cedida pelo Centro de Memória da Imigração Ilha das Flores].
Minutos depois de pôr os pés em terra firme no Brasil, a ucraniana Irene Popow ouviu ecoar o som de um piano. Curiosa, a menina de 14 anos, recém-chegada de um campo de refugiados na Alemanha, aproximou-se da casa de onde vinha a música. Viu um homem ir até o portão: “Ele perguntou: te gustas la música? Viene, viene”, lembra ela. “Quinze minutos depois de chegar ao Brasil, eu estava dentro da casa de um brasileiro. Em sete anos na Alemanha, jamais um alemão me convidou para uma visita.”
O episódio aconteceu em 1949, na Hospedaria da Ilha das Flores, em São Gonçalo — um espaço financiado pelo governo brasileiro e propício a este tipo de encontro. De 1883 a 1966, a hospedaria abrigou dezenas de milhares de estrangeiros oriundos de várias partes do mundo, da Itália ao Japão, da Rússia à Espanha, da Alemanha à Síria. Nas primeiras décadas do século XX, os alojamentos chegaram a hospedar simultaneamente 3.500 pessoas, que chegavam ao Brasil com a esperança de reconstruir suas vidas e encontravam na Ilha das Flores instituições e pessoas dispostas a ajudar na empreitada.
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Desembarque na Ilha das Flores. Coleção Leopoldino Brasil, sem data.
Hoje, duas organizações funcionam no local que, a esta altura, já deixou de ser uma ilha, tendo sido anexado ao continente por um aterro em 1985. Desde 1971, o espaço é uma das sedes do corpo de fuzileiros navais da Marinha brasileira, que montou ali uma base aproveitando boa parte das instalações do antigo centro de imigração. Já em 2012, um grupo de pesquisadores da história de São Gonçalo inaugurou um museu a céu aberto sobre os antigos imigrantes que por ali passaram, chamado Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores.
O museu, patrocinado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), assinou no começo de novembro um termo de cooperação técnica com o Museu de Ellis Island, em Nova York, porta de entrada de imigrantes nos Estados Unidos. No último dia 27 de novembro, foi visitado por uma comitiva dos Jogos Olímpicos de 2016, que foi conhecer o centro cultural para inclui-lo entre as atrações que serão divulgadas ao público da competição.
Essa recente visibilidade do espaço é celebrada pelos gestores do museu, que apostam na possibilidade de obter mais recursos e visitantes. “Estamos fazendo um movimento para incrementar o museu”, afirma o professor de história da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Luís Reznik, um dos responsáveis pelo projeto. “Quem sabe conseguimos entrar no circuito cultural do estado do Rio”.

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