terça-feira, 6 de outubro de 2009

Justiça italiana estuda derrubar lei que dá impunidade a Berlusconi

"Tenho vontade de ir embora da Itália, e faria isso se não fosse o que meus inimigos desejam."

Esta frase, atribuída ontem a Silvio Berlusconi por vários veículos da mídia, mostra o estado de espírito do primeiro-ministro italiano. Berlusconi sente-se encurralado e assediado, uma vítima não só da imprensa como dos juízes e dos chamados poderes fortes (leia-se bancos, máfia, Igreja, maçonaria...). O jornal "Il Giornale", de seu irmão Paolo, e seu partido, o Povo da Liberdade (PDL), fecharam fileiras ontem e afirmaram que está em curso um "plano golpista" contra o governo. Enquanto isso, a Liga Norte reiterou seu apoio a Berlusconi, mas se declarou "preparada para disputar eleições antecipadas". E Gianfranco Fini, co-fundador do PDL, indicado pelo "Giornale" de Vittorio Feltri como instigador da revolta, advertiu que se o governo cair não haverá um Executivo técnico: "As maiorias saem das urnas".

O panorama político é cada vez menos previsível. Berlusconi está muito abalado e seus assuntos privados se sobrepõem aos públicos, formando um nó. A única coisa clara é que esta semana é crucial para o futuro da legislatura e do próprio primeiro-ministro; o Tribunal Constitucional começa a analisar hoje o Laudo Alfano, a lei de imunidade para os quatro altos cargos do Estado (embora na realidade só afete Berlusconi) aprovada no ano passado pelo governo. A decisão pode ser rápida ou demorar uma semana, ninguém sabe.
Se o tribunal derrubar a norma por considerar que atenta contra o princípio de que a lei é igual para todos, Berlusconi ficaria em uma situação muito delicada e sem margem de manobra. Seria processado pelas causas pendentes, sobretudo o caso David Mills. A juíza condenou a seis meses o advogado britânico ao considerar provado que Berlusconi o subornou com US$ 600 mil para que depusesse a seu favor, mentindo, em dois processos. O caso do primeiro-ministro foi adiado à espera da resolução do alto tribunal sobre o laudo. Outra possibilidade é um parecer parcialmente contrário, o que abriria a porta para uma nova redação da norma e permitiria a Berlusconi ganhar tempo. A terceira hipótese é que o tribunal aprove o laudo, mas só o advogado pessoal de Berlusconi, Niccoló Ghedini, parece confiar nela.
O suposto aparecimento de novidades no escândalo de prostituição protagonizado por Berlusconi junto com o empresário Gianpaolo Tarantini, que o próprio primeiro-ministro confirma, é outro risco. A direita prepara o terreno sugerindo que o caso seria uma armadilha colocada pela máfia para o mulherengo impenitente, cujo comportamento debochado é um segredo que todos conhecem. O líder da Liga, Umberto Bossi, afirmou que a atuação das prostitutas é "um problema da máfia. Fizemos leis duríssimas contra a máfia, e o risco era que revidasse em Berlusconi. As prostitutas são movimentadas pela máfia".A terceira perna da suposta conspiração é a sentença em primeiro grau que põe fim momentâneo ao interminável litígio pelo controle do grupo Mondadori. No sábado, a caixa-forte do império Berlusconi, Fininvest, foi condenada por um tribunal civil de Milão a pagar 750 milhões de euros, a maior indenização da história do país, a Carlo de Benedetti, dono da CIR, que edita o jornal "La Repubblica".Para Berlusconi, é "mais uma sentença além do bem e do mal, desproporcional e anormal", que demonstra que há um "plano subversivo" para despojá-lo do poder. "Mas eu sigo em frente", afirmou. O juiz escreve na motivação da sentença, de 140 páginas, que o primeiro-ministro e empresário conheceu necessariamente e foi "corresponsável" pela corrupção judicial que concedeu à Fininvest o controle da editora e da revista "Panorama", deixando para De Benedetti "La Repubblica" e "L'Espresso".
Em 2007 Cesare Previti, braço-direito de Berlusconi, foi considerado culpado de subornar o juiz que ditou o laudo Mondadori, e De Benedetti promoveu uma causa civil pedindo uma reparação econômica por danos. O tribunal lhe dá razão ao afirmar que a decisão não foi justa e causou um grande prejuízo patrimonial à CIR. A Fininvest vai recorrer tanto da sentença como do pagamento do valor, embora Berlusconi tenha dito que não tem esperanças. Ontem as ações da CIR voaram na Bolsa, subindo mais de 10%.Segundo Vittorio Feltri, diretor do "Il Giornale", "Berlusconi foi atacado pela carteira para que entenda por mal o que não entendeu por bem: que deve abandonar a política". Confrontar essa indenização também representaria "assassinar a Mondadori e a Fininvest e ferir de morte a Mediaset".O porta-voz do PDL, Daniele Capezzone, chamou suas bases para que se mantenham vigilantes diante "da tentativa, hoje mais que nunca evidente, de revogar a decisão das urnas com obscuras operações de salão. O governo e o PDL têm uma relação sólida com os cidadãos, e uma ampla maioria de eleitores não consentirá que seu voto seja humilhado e subvertido".

El País
Miguel MoraEm Roma
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
UOL

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