domingo, 2 de novembro de 2008

Crise na Itália tem primeiro-ministro animado

Mesmo com a crise economica, aprovação de Berlusconi está em 62%.Ele aproveita mais poder político do que jamais teve em 15 anos.

Rachel Donadio
Do 'New York Times'



Silvio Berlusconi (à direita) cumprimenta o presidente libanês, Michel Sleiman, em 30 de outubro deste ano (Foto: Andreas Solaro/AFP)
Neste mês, enquanto os mercados mergulhavam e os investidores entravam em pânico, o primeiro-ministro bilionário da Itália, Silvio Berlusconi, viu ações de algumas de suas empresas caírem 40%. Mesmo assim ele parecia otimista como sempre, jubilando-se até o amanhecer numa discoteca de Milão – após retornar de uma reunião com líderes europeus sobre como cuidar da crise financeira. “Se durmo por três horas, ainda tenho energia suficiente para fazer amor por outras três,” disse ele a um grupo mais jovem, segundo citou o jornal "La Repubblica". “Quando você chegar aos 70, espero que esteja em tão boa forma quanto eu.” Além da teatralidade e do humor de vestiário masculino pelos quais a Itália tanto o ama quanto odeia, a afirmação refletia uma realidade: Berlusconi, de 72 anos, está com tudo, com poder e influência maiores do que nunca. A razão: esse homem com uma posição já sem paralelo no centro da economia e política da nação agora controla bilhões de dólares em dinheiro público para afiançar as empresas privadas caso precisem, o que provavelmente acontecerá. Essa expansão adicional do poder de Berlusconi, considerada perigosa por alguns e saudada como necessária em tempos difíceis por outros, sustenta um ditado popular local: há dois tipos de italianos, os que trabalham para Berlusconi e os que estão prestes a Berlusconi “influencia a economia, que agora precisa do estado,” disse Stefano Folli, comentarista político. “Se precisa do estado, então precisa dele.” O novo poder econômico chega num momento em que Berlusconi aproveita mais poder político do que jamais teve em 15 anos de cargos públicos. E também o coloca, juntamente ao primeiro ministro Gordon Brown da Inglaterra – cumprimentado por seu plano de salvação dos bancos –, entre os líderes mundiais cujas fortunas políticas parecem ganhar um empurrãozinho pela crise. Os perdedores parecem ser o presidente Bush, cujas pesquisas de avaliação de governo já descendentes mostraram queda ainda maior em meio ao tumulto financeiro, e o primeiro-ministro Vladimir V. Putin da Rússia, duramente criticado por derrubar os preços do petróleo e se engajar num retrocesso internacional na guerra com a Geórgia, em agosto. No parlamento, a coalizão de centro-direita de Berlusconi, a Povo da Liberdade, foi eleita em abril por uma ampla margem de 9 pontos. Está mais forte do que nunca, tendo se livrado de alguns partidos menores de direita, e governa praticamente sem oposição, graças à implosão da esquerda nas eleições. Neste mês, o principal grupo oposicionista, o Partido Democrata, rompeu com um partido aliado de centro, o Itália de Valores, separando ainda mais os sempre confusos centro e esquerda. “Esta é uma fase na qual ele não tem rivais,” disse Ferruccio de Bortoli, editor-chefe do respeitado jornal financeiro "Il Sole 24 Ore". “Se é bom para o país, eu tenho minhas dúvidas.” Em muitos países, a popularidade do líder cresce e diminui com o estado da economia. Esse não parece ser o caso da Itália. Desde 1º de setembro, o mercado de ações de Milão caiu 22% e as inquietações econômicas crescem ao lado das taxas de juros em hipotecas. Mas as taxas de aprovação de Berlusconi estão em 62%, segundo uma pesquisa divulgada neste mês e conduzida pelo centro-esquerdista "La Repubblica". Seus críticos de esquerda, incluindo o líder do Partido Democrata, Walter Veltroni, atribuem seu sucesso à influência sobre emissões de televisão públicas e privadas. Berlusconi é dono da Mediaset, a maior emissora privada. Um ativista de jornalismo independente relatou recentemente “um desequilíbrio” nos programas televisivos de assuntos públicos em setembro, com muito mais tempo dedicado ao governo do que à posição. No geral, ele parece ter reafirmado aos italianos que o estado está cuidando deles. Berlusconi também tentou promover investimentos de sua própria maneira. Neste mês, ele atraiu críticas por encorajar italianos a comprar ações de Eni e Enel, as maiores empresas de gás da Itália. Um primeiro-ministro favorecer certas ações “foi um evidente conflito de interesses,” disse Emma Bonino, vice-presidente do senado e membro do Partido Radical. Ainda assim, o poderoso ministro das finanças de Berlusconi, Giulio Tremonti, é bastante respeitado e inclusive visto como tendo previsto a crise atual em seu livro, "Fear and Hope," que apareceu nessa primavera e prevenia sobre o lado negativo da globalização. Ele disse recentemente que o governo estava preparado para caucionar bancos numa base caso-a-caso. Mas a preocupação com o poder de Berlusconi e de seu governo é tão grande que Tremonti buscou minimizar os temores de maior intervenção estadual. Ele disse que o governo abordaria qualquer resgate financeiro relutantemente, dizendo que eles poderiam ser “seriamente danosos à saúde política” do governo. “Pode ser necessário, mas absolutamente não é uma oportunidade,” afirmou.

Tremonti também possui uma mão forte com os partidos da coalizão de centro-direita e ajudou a empurrar algumas medidas orçamentárias durante o verão, dando maior flexibilidade ao governo na crise atual. Negociações de orçamento geralmente paralisam o parlamento por todo o outono. Mas nem todos estão convencidos. Por toda a previsão de Tremonti, “o orçamento estava errado porque pressupunha crescimento,” disse Pier Luigi Bersani, o possível ministro das finanças pelos democratas. O Fundo Monetário Internacional previu dois anos de recessão para a Itália. Confindustria previu que a economia italiana encolheria e 0,5%, ao invés de crescer 0,4%. Em termos amplos, Berlusconi solidificou sua posição na economia da Itália, a sétima maior do mundo. Sua filha Marina hoje participa do quadro do Mediobanca, banco de investimentos de Milão que foi, durante décadas, um contrapeso ao financiamento estadual e um bastião do dinheiro velho para seu novo. Berlusconi recentemente preveniu que empresas italianas estavam abertas a aquisições hostis, e ele espera sancionar uma lei tornando-as mais difíceis. Seus críticos alegam que tal lei reduziria o investimento estrangeiro, mantendo o poder nas mãos de uns poucos locais. “Hostil a quem?” perguntou o economista de esquerda Tito Boeri num artigo de primeira página no "La Repubblica". “Hostil a nossa economia ou às grandes famílias que hoje regem o capitalismo italiano?” E à medida que a crise de crédito se aprofunda, Berlusconi também se aproxima dos dois principais bancos de investimentos do país, Unicredit e Intesa Sanpaolo, cujos líderes nunca foram próximos da coalizão de centro-direita. A pedido de Berlusconi, o presidente do Intesa Sanpaolo, Corrado Passera, trabalhou com o governo para projetar o recente resgate da linha aérea Alitalia. O primeiro-ministro prometeu, durante sua campanha eleitoral, manter a empresa italiana, o que significava nacionalizar as perdas da companhia aérea e trocar favores para que investidores privados comprassem uma cota principal. As ações do Unicredit despencaram nas últimas semanas, mas até agora eles evitaram pedir a ajuda do estado. O governo da Líbia comprou uma cota de 5%, tornando-se o segundo maior acionista do banco. Se a recapitalização privada falhar e o Unicredit se voltar a Berlusconi por financiamento estadual, isso acabaria “reduzindo a independência desses importantes bancos, que anteriormente estavam fora desse aperto,” disse Michele Polo, professora de economia da Universidade Bocconi em Milão. E todo esse poder de Berlusconi é bom para o país? “Minha resposta imediata é sim,” disse Alberto Bombassei, vice-presidente da Confindustria. “Em momentos difíceis é bom para o país ter um governo mais decisivo.” Além da incerteza da economia, Berlusconi, que parece gostar da vida no precipício, ainda permanece vulnerável. Ele enfrenta um julgamento em ausência em Milão acusado de ocultar contas ilegais. A corte constitucional da Itália está examinando uma lei que lhe concederia imunidade. Paolo Bonaiuti, porta-voz de Berlusconi, disse que os relatos sobre o poder amplificado do primeiro-ministro eram exagerados. “Ele tem o apoio do povo,” disse Bonaiuti. “Qual o problema nisso?”

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