Roma - A Itália do futebol volta 50 anos no tempo com a eliminação da Copa do Mundo de ontem (24). Com a saída na fase de grupos, primeiro no Mundial da África do Sul (2010), e agora no Brasil, a Azzurra igualou o recorde de eliminações consecutivas nesta fase de 1962 (Chile), e em 1966 (Inglaterra).
Se naquela época a culpa foi da grande tragédia de Superga, que matou todo o time do Torino em um acidente aéreo em 1949, desta vez a culpa não é só uma questão meramente técnica.
Estrutura
Mas, os problemas são maiores e mais profundos no futebol italiano. Com problemas de cultura futebolística, de logística na parte dos estádios e de estruturas federais para o jogo, passando pela falta de valorização dos jovens talentos e o uso maciço de jogadores estrangeiros - não somente com a presença dos craques, mas em todas as posições de um campo de jogo - até os difíceis problemas com a violência entre as torcidas.
Apesar de ter grandes jogadores e técnicos, a maior parte deles atua fora do país. Marcello Lippi, Carlo Ancelotti e Roberto Mancini há anos não estão na Itália, bem como os melhores jogadores da atualidade como Verrati, Sirigu, Immobile e talvez Balotelli, desejado por clubes ingleses. Também por isso a Itália está fora do Mundial.
Atualmente, a seleção italiana é a nona colocada no ranking da Fifa e, com a eliminação, corre o risco de sair do Top 10 da entidade. Entre os clubes, a temporada de 2013/2014 foi novamente fraca para os italianos: apenas a Juventus chegou à semifinal da Liga Europa.
Presença de estrangeiros
Na temporada 2013/14 da série A, estavam em campo mais estrangeiros do que italianos. Dos 610 atletas, 42% eram nascidos no país. Para encontrar um clube italiano na lista dos times que mais jogadores de seu país têm no elenco, é preciso descer até a 25ª posição para encontrar a Udinese. E este também é um motivo para a Itália estar fora do Mundial.
E o exemplo está dentro de casa. A série B italiana bateu o recorde no número de jogadores jovens italianos e teve aumento de público. Os dados da Panini comprovam: de um total de 655 jogadores nessa divisão, 214 tem menos de 21 anos.
São 483 italianos na competição que representam 73,74% dos atletas da série B. A idade média do campeonato é de 25,3 anos e mais de 2,6 milhões de torcedores viram, ao menos, um jogo do torneio.
A média nos estádios foi de 5.787 espectadores por jogo, um aumento de 21,5% em relação à temporada anterior.
Estádios Fantasmas
Um jornalista pediu ao presidente da Uefa, Michel Platini, o que a Itália deveria fazer para voltar ao topo do futebol mundial. "Construir estádios", disse Platini ao repórter. E os dados que a Federação Italiana de Futebol (Figc) apresentou em seu relatório anual são claros. Em um ano, houve uma queda de quase 1 milhão de torcedores nos estádios. Em 2011/12 foram 13,2 milhões de pessoas nos locais dos jogos. Já em 2012/13, esse número caiu para 12,3 milhões.
A diminuição de 6,4% no número de espectadores pesa também na arrecadação comercial dos times nos estádios, que teve uma queda de 4,1% para 3,9%. Atualmente, os valores nos locais representam apenas 23% do valor agregado (8% recolhidos nos ingressos e 15% dos anúncios comerciais no local).
Como consequência, continuam a aumentar os débitos da série A. O San Siro (onde jogam Milan e Inter) é muito velho, tendo sua última modernização em 1990. Passou-se um quarto de século e não é mais um tempo de dinheiro fácil. A questão é política e agora os clubes querem construir estádios próprios. Dos grandes, apenas a Juventus conseguiu erguer a sua própria arena.
Violência Padrão
O presidente da Itália, Giorgio Napolitano, declarou que "não se pode negociar com provocadores e isso deve ser um exemplo também para o futebol e os seus presidentes que devem sempre romper com essas pessoas chamadas de torcidas organizadas e com seus chefes". Essa frase foi dita logo após a final da Copa da Itália, no dia 3 de maio, quando enfrentamentos fora do estádio causaram a morte de um torcedor, Ciro Esposito, e o jogo teve atraso de quase uma hora por culpa das organizadas jogarem sinalizadores em campo. O jogo só começou após jogadores negociarem com um dos chefes da torcida. Esposito morreu nesta quarta-feira (25) após lutar para sobreviver por 50 dias em um hospital de Roma.
Outros países, como a Inglaterra, Holanda e Alemanha, resolveram seus problemas de violência dentro e fora do estádio. Na Itália, a maior punição até o momento foi a aplicação da Daspo - uma medida que proíbe a entrada de um torcedor envolvido em confusão dentro de um estádio. Mas, isso não é suficiente.
A temporada 2013/14 foi também foi marcada pelo escândalo da terceira divisão do futebol, a partida entre Nocerina e Salernitana - que foi encerrada aos 20 minutos do primeiro tempo porque os jogadores fingiram lesões.
O caso ocorreu após a Justiça italiana proibir os torcedores da Nocerina de assistirem a partida contra o Salernitana, seu principal rival e time com o qual não jogava há 25 anos. Ofendidos, os fãs da Nocerina ameaçaram de morte os jogadores, tentando impedi-los de disputar a partida. Vencidos pelo medo, nos primeiros 50 segundos de jogo, o técnico da Nocerina fez as três substituições permitidas e, em seguida, os jogadores começaram a "cair" em campo, alegando contusões. A equipe foi excluída do campeonato. E também por isto a Itália está fora da Copa do Mundo.
Direitos de transmissão de imagem
O paradoxo da crise no futebol são as ofertas pelos direitos de exibição das partidas para as séries A e B para o triênio 2015-2018. As maiores ofertas vieram da Sky, em alguns milhões de euros. Nunca foi pago tanto para transmitir.
E esse recorde de dinheiro vai acabar no bolso dos presidentes, especialmente dos maiores clubes italianos. Parte desse valor será utilizado para cobrir o rombo das gestões nos clubes e parte até chegará para os torcedores. E o restante? Não será o caso de começar a pensar no futuro do futebol do que só utilizar esse dinheiro para cobrir os danos do presente? Também por isso a Itália está fora do Mundial. (ANSA)
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