A mortadela, que surgiu há mais de 2 mil anos, continua na moda.
Sem fazer esforço para virar alimento requintado, a mortadela está na moda.
As pessoas deixaram de se esconder para comer esse embutido barato e popular, de origem italiana. A mortadela continua a ser um alimento dos pobres. Mas consumidores que podem comprar produtos mais caros descobriram sua apetitosa cor rosa, o sabor delicado da massa fina, o aroma suave das especiarias. No Brasil, a ascensão começou com a chegada das excelentes mortadelas italianas. Hoje, existem boas marcas nacionais. A mais aplaudida é a Ceratti. Mas também fazem mortadela os frigoríficos Sadia, Perdigão, Chapecó e Seara, entre outros.
Existem até gratas surpresas, como a marca Marba. Donos de restaurantes e chefs de cozinha de São Paulo, entre os quais Massimo Ferrari, Sérgio Arno, Alex Atala e Carlos Siffert, declaram-se seus apreciadores. Wilma Kövesi, conceituada mestra de cozinha, lançou O Livro da Mortadela, com 40 receitas, abrangendo saladas, grelhados, sopas, croquetes e lasanhas. O consumo nacional do produto ultrapassou as 100 mil toneladas anuais.
É um embutido antigo, surgido há mais de 2 mil anos, no Império Romano. Há duas explicações para seu nome. Derivaria da palavra latina "myrtata", que significa carne temperada com bagas da "mortella", planta de sabor resinoso; ou de "mortarium", vocábulo da mesma língua, almofariz empregado para amalgamar a carne.
O escritor Plínio, o Velho, contou que Augusto, primeiro imperador romano, não passava sem mortadela. Sua despensa era abastecida regularmente com peças vindas de Bolonha. Ainda hoje, a capital da Emília-Romanha tem a fama de fazer a melhor mortadela do mundo. Os italianos são loucos por esse embutido. Utilizam-no em antepastos, acompanhamentos, no recheio de massas, dentro de "polpette" (almôndegas) e nos "tortini" (pequenas tortas) de batata. Elegeram até uma madrinha para o produto. É a bela atriz Sophia Loren. A escolha foi realizada em 1971, quando ela estrelou La Mortadella, filme dirigido por Mário Monicelli. Interpretava uma napolitana que viajou para encontrar o noivo em Nova York, mas foi barrada no aeroporto. Tinha na mão uma mortadela, alimento estrangeiro que a lei proibia de entrar no país.
Em Bolonha, usa-se exclusivamente carne magra de porco, sobretudo da paleta, e sobras cruas do presunto e da copa. Leva igualmente a firme e saborosa gordura da papada do animal. Para evitar retenção de água, a preparação segue a técnica da redução progressiva. Primeiro, corta-se a carne em pedaços, passando-se depois na máquina picadora, no pré-misturador e em duas moendas muito finas. O resultado é uma pasta cremosa que será enriquecida com pequenos cubos de gordura. A harmonização dos ingredientes dura de 5 a 15 minutos. Na etapa seguinte, embute-se a massa em invólucros naturais ou artificiais. O peso final de cada peça varia de 500 gramas a 100 quilos, embora possam existir menores e maiores. O produto é levado a estufas especiais, para cozimento no vapor, a uma temperatura máxima de 85ºC.
Finalmente, a mortadela recebe uma ducha fria e passa por um câmara de resfriamento, que a estabiliza. Cada produtor de Bolonha executa uma receita particular, às vezes secreta. Em outras cidades da Itália, entram cortes diferentes e mesmo carnes de outros animais.
A mortadela exclusivamente de suíno ostenta no selo um S. Marcada com as letras SB, deriva de suíno e bovino. SE identifica o embutido de suíno e eqüino. EB se refere às carnes eqüina e bovina. Quanto à gordura, sempre procede do porco. No Brasil, os ingredientes também variam. Não usamos carne eqüina, porque não a consumimos. Mas basta examinar os rótulos da mortadela nacional para descobrir que podem combinar aves e miúdos de porco, por exemplo. Essa versatilidade a converte em alimento adaptável ao paladar de diferentes mercados e bolsos. Pela lógica, quando mais alto o preço, melhor a qualidade.
Excessos de condimentos, sobretudo de alho, podem mascarar defeitos de fabricação. No século 18, Bolonha quis ficar com a exclusividade da mortadela. Apoiada pelas autoridades eclesiásticas, publicou documento proibindo sua fabricação em outras cidades. Felizmente, ninguém se intimidou. Atualmente, é feita com o nome de Bolonha em toda a Emília-Romanha, inclusive em Modena. O saudável desrespeito à interdição contribuiu para que a mortadela se tornasse devoção universal.
colaboração Marina Bergotti