quinta-feira, 9 de julho de 2015

Cidadezinha italiana distribui casas (quase) de graça



Gangi Sicilia

GANGI, Sicília - Está procurando casa? Pois uma cidadezinha siciliana tem uma oferta irresistível: está doando residências.

Mas claro que há um senão: as propriedades na pitoresca Gangi, na região central da Sicília que se estende até as Montanhas Madonie, estão geralmente caindo aos pedaços, algumas abandonadas há décadas.

As estruturas certamente dão um novo significado ao conceito de reforma e quem quiser adquirir uma delas tem apenas quatro anos para torná-las habitáveis.

A oferta já atraiu dezenas de pessoas à procura de casas de veraneio e a iniciativa arrojada para a revitalização de Gangi já gerou novas oportunidades aos profissionais da construção e energizou o turismo.

"Na mentalidade siciliana, Gangi era considerada muito longe do mar para ser atraente para o turismo", confessa Giuseppe Ferrarello, prefeito do município que fica em uma rodovia sinuosa e castigada pelo vento entre Palermo e Catania.

A iniciativa acabou criando um mecanismo que, até pouco tempo atrás, seria considerado impensável para uma cidade no meio da Sicília, onde as cidades encolheram ao mesmo tempo que a perspectiva econômica local.

Nos anos 50, a população de Gangi chegava a 16 mil habitantes; hoje está em aproximadamente sete mil.

"O êxodo da ilha se deu em ondas periódicas, a partir do fim do século XIX, estimulado, nessa época, menos pelas dificuldades econômicas, endêmicas às Montanhas Madonie, e mais por agentes de empresas de transatlânticos vendendo a perspectiva de uma vida melhor nos EUA", diz Marcello Saija, diretor de uma rede de museus de emigração na Sicília.

"Por volta de 1890s, uma cidadezinha perto de Gangi tinha nada menos que três profissionais representando diversas companhias de navegação, vendendo a ideia de emigração. Não que a situação econômica fosse próspera, muito ao contrário, mas o fator decisivo para a partida geralmente era a busca pelo sonho americano", diz ele.

Os registros em Ellis Island mostram que cerca de 1.700 moradores de Gangi chegaram a Nova York entre 1892 e 1924. A partir dos anos 30 e na década de 40, a Argentina se tornou o destino preferido.

Muitas casas deixadas para trás eram as chamadas pagglialore típicas da cidade – estruturas baixas, em forma de torre, que abrigavam no térreo burros e paglia (palha); as galinhas e cabritos ficavam no primeiro andar e a família do criador, no segundo.

Essas são algumas das estruturas que a Prefeitura está oferecendo; além disso, o governo local também age como um tipo de intermediário, facilitando a convergência entre o lote considerável de moradias abandonadas da cidade e a demanda, cada vez maior. Algumas já foram doadas, outras, são vendidas por um valor nominal. Quem decide é o proprietário.

A comunidade se adiantou ainda mais um pouco para reduzir o processo intrincado – e quase sempre enlouquecedor – da burocracia que acompanha a compra e reforma de uma casa na Itália.

"A burocracia é o que mais preocupa os interessados, mas não vendemos uma casa e deixamos a pessoa em paz", conta Alessandro Cilibrasi, corretor que ajuda a municipalidade na iniciativa.

Um site para investidores britânicos, o shelteroffshore.com, aconselha os compradores em potencial a consultarem advogados que falem inglês ou não sejam italianos, mas conheçam bem a legislação siciliana; se a propriedade vem sendo passada de geração a geração, o direito de propriedade talvez não seja muito claro e pode acarretar taxas, dívidas e empréstimos de valor altíssimo.

E completa, dizendo que os custos de construção e reforma podem também ser onerosso. "A Sicília não é para qualquer um", conclui o site.

No entanto, até agora a resposta de Gangi ao esvaziamento da população parece estar dando mais certo que em outros lugares: mais de cem casas já foram doadas ou vendidas a preços bem abaixo do mercado.

Há alguns anos, Salemi anunciou com grande alarde que iria vender as construções danificadas pelo terremoto de 1968 por um euro cada, mas nunca levou o projeto adiante, conta o prefeito atual, Domenico Venuti, que quer reviver a iniciativa. "Só não quero fazer o anúncio oficial até termos alguma coisa a oferecer", acrescenta.

Carrega Ligure, cidadezinha da região do Piemonte cuja população, no último século, caiu 60 por cento e hoje só conta com 900 habitantes, também tentou ceder casas abandonadas para estimular a repovoação, "e também arrecadar mais fundos através das taxas", explica o ex-prefeito, Guido Gozzano.

"Mas o empreendimento foi dificultado por causa de problemas burocráticos imensos. Assim que a administração municipal assumia uma propriedade, por lei ela poderia ser vendida só por preços competitivos de mercado. É claro que não podia dar certo", lamenta ele.

Gangi evitou a mesma armadilha simplesmente não adquirindo as casas diretamente, apenas servindo de mediadora entre o proprietário e compradores.

Aproximadamente metade dos novos proprietários é composta de sicilianos em busca de uma casa para férias e fins de semana – como Michele Di Marco, empresário de Palermo que se sentiu atraído pelo ritmo tranquilo da cidade.

"Simplesmente adoro essas vilinhas que personificam o que a Sicília tinha de melhor nos tempos de outrora. Sem contar os incentivos financeiros oferecidos pelos governos municipal e federal", explica.

Os outros são basicamente italianos, embora haja também compradores de vários países europeus e um de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

Há uma lista de espera considerável para as últimas 200 unidades, o que significa que a Prefeitura pode se dar ao luxo de escolher quem serão seus moradores.

"Não queremos gente que tenha só dinheiro; queremos saber o que vão fazer com as casas", explica Ferrarello.

"A prioridade é de quem quer começar um novo negócio", explica ele, citando como exemplo a Wendhers S.R.L., firma de Florença que recebeu duas residências de graça e comprou outras sete para criar um hotel boutique de 22 quartos no centro histórico.

Ferrarello gosta de se gabar, dizendo que basta explorar as belezas naturais e culturais que a cidade tem a oferecer para atrair gente para Gangi. "A Umbria não chega nem perto da Sicília", garante.

Acima de tudo, entretanto, a iniciativa de revitalização tem a ver com o futuro.

"Fizemos isso porque amamos nossa terra, por causa dos nossos filhos. Queremos que eles fiquem aqui, que nunca queiram ir embora", conclui.


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