Análises de DNA estão ajudando a contar a
história das populações quilombolas
– e o resultado indica que se trata de
uma história mestiça.
19 / 09 / 2013
folha.com
CLIPPING
Em quilombos do Vale do Ribeira (SP), por
exemplo, embora a ascendência africana tenha ligeiro predomínio, cerca de 40% do
patrimônio genético dos moradores parece ser de origem europeia, enquanto um
quinto teria sido legado por indígenas.
Os resultados vêm de um estudo das pesquisadoras
Lilian Kimura e Regina Mingroni-Netto, do Instituto de Biociências da USP. Elas
analisaram amostras de DNA de 307 quilombolas de dez comunidades no Vale do
Ribeira. Os dados foram publicados na revista “American Journal of Human
Biology”.
As proporções de ancestralidade africana,
europeia e indígena encontradas pelas pesquisadoras e seus colegas batem, grosso
modo, com resultados obtidos em quilombos da Amazônia, indicando que tanto
brancos quanto índios – além dos escravos negros – tiveram papel importante na
formação dessas comunidades tradicionais.
No Congresso Brasileiro de Genética, que
acontece nesta semana em Águas de Lindoia (SP), Kimura deve apresentar mais
dados, os quais sugerem que essa miscigenação não foi exatamente igualitária,
porém.
Quando se olha apenas o cromossomo Y (a marca
genética da masculinidade, transmitida apenas de pai para filho homem),
verifica-se que mais de 60% dos quilombolas do sexo masculino descendem de um
homem europeu, enquanto apenas 9% deles têm um indígena como ancestral paterno.
O que sobra da conta, claro, corresponde às linhagens africanas do cromossomo
Y.
A interpretação mais lógica desses dados é que,
na época colonial, os homens de origem europeia monopolizavam as mulheres
africanas e indígenas. Trata-se de um padrão encontrado numa série de outras
populações brasileiras, inclusive no caso de quem se declara branco: é comum que
a pessoa descenda de índios ou negros pelo lado materno, mas bem mais raro que
sua linhagem paterna tenha essa origem.
Garimpos
Kimura conta que a região do Vale do Ribeira
teve um ciclo do ouro incipiente e que, quando os garimpos se esgotaram, muitos
escravos foram abandonados por seus donos ou fugiram, dando origem às
comunidades da região.
Os descendentes desses primeiros quilombolas
contam que mestiços de brancos com índios também teriam se juntado a esses
grupos. “O que está menos claro é a presença de homens de origem indígena.
Parece que as mulheres índias é que foram incorporadas nas comunidades”, explica
a bióloga.
Ela diz reconhecer o risco de que resultados
como os obtidos em seu estudo tenham uso político em discussões sobre cotas
raciais, por exemplo.
“Acho que esses dados servem para você contar e
valorizar a sua história. Mas eles são muito diferentes da autoidentificação,
que está ligada à origem cultural. A gente sabe, por exemplo, que pessoas com
cor de pele bem clara podem ter mais genes de origem africana e vice-versa”,
pondera.
Pistas
Para chegar à estimativa das proporções de
ancestralidade dos quilombolas, os pesquisadores usaram um conjunto de 48
“indels”, pequenas variações no DNA que correspondem a inserções ou “deleções”
(apagamentos) na sequência de letras químicas da molécula – daí o
nome.
Esses “indels”, com diferenças de três a 40
“letras” de DNA para mais ou para menos, têm sido considerados indicadores
confiáveis da origem geográfica dos ancestrais de uma pessoa, porque há
conjuntos deles que são mais frequentes em um continente do que nos
demais.
No caso dos quilombolas, os cientistas usaram
dados sobre os “indels” de três populações correspondentes aos possíveis
ancestrais – africanos de Angola, Moçambique e outros países, europeus
(basicamente portugueses) e sete tribos indígenas brasileiras – e compararam
isso com os “indels” presentes nos quilombolas.
Depois, uma análise estatística estimou as
proporções de ancestralidade. Segundo a bióloga Lilian Kimura, a fatia indígena
da amostra se beneficiou de dados obtidos pelo pesquisador Sidney Batista
Santos, da Universidade Federal do Pará.
“Os nossos dados corroboram o que se sabe sobre
a história da ocupação do Vale do Ribeira e também o que contam os moradores
mais antigos dos quilombos.”
A pesquisa concorre ao Prêmio Francisco Mauro
Salzano, uma das láureas oferecidas pela Sociedade Brasileira de Genética no
congresso que acontece nesta semana em Águas de Lindoia.
www.cbg.org.br